quarta-feira, 9 de novembro de 2022

"A casada infiel" - Federico García Lorca

 




A casada infiel

 

 

 





Eu que a levei ao rio,


pensando que era donzela,


porém tinha marido.




Foi na noite de Santiago


e quase por compromisso.


Apagaram-se os lampiões


e acenderam-se os grilos.


Nas últimas esquinas


toquei seus peitos dormidos,


e se abriram prontamente


como ramos de jacintos.


A goma de sua anágua


soava em meu ouvido


como uma peça de seda


rasgada por dez punhais.


Sem luz de prata em suas copas


as árvores estão crescidas,


e um horizonte de cães


ladra mui longe do rio.




Passadas as sarçamoras,


os juncos e os espinhos,


debaixo de seus cabelos


fiz uma cova sobre o limo.


Eu tirei a gravata.


Ela tirou o vestido.


Eu, o cinturão com revólver.


Ela, seus quatro corpetes.


Nem nardos nem caracóis


têm uma cútis tão fina,


nem os cristais com lua


reluzem com esse brilho.


Suas coxas me escapavam


como peixes surpreendidos,


a metade cheias de lume,


a metade cheias de frio.


Aquela noite corri


o melhor dos caminhos,


montado em potra de nácar


sem bridas e sem estribos.


Não quero dizer, por homem,


as coisas que ela me disse.


A luz do entendimento


me faz ser mui comedido.


Suja de beijos e areia,


eu a levei do rio.


Com o ar se batiam


as espadas dos lírios.




Portei-me como quem sou.


Como um cigano legítimo.


Dei-lhe um estojo de costura,


grande, de liso palhiço,


e não quis enamorar-me


porque tendo marido


me disse que era donzela


quando a levava ao rio.



 

 

 

Federico García Lorca



(Espanha, 1898-1936)





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