sexta-feira, 7 de maio de 2021

"A expressão do amor": José Paulo Pinto Lobo

 



A expressão do amor


 


amor omnia vincit.



 

 

Espantados com este título?

 

Não, não se aflijam. Não irei discorrer sobre o Amor em geral. Poetas, filósofos, romancistas há muito que o fizeram e certamente continuarão a compor odes ao Amor bem melhor do que eu alguma vez poderei imaginar.

 

Acham em sã consciência que poderia produzir algo tão romântico como Camões?


 

Amor é um fogo que arde sem se ver,


É ferida que dói, e não se sente;


É um contentamento descontente


É dor que desatina sem doer.


 

(…)


 

Ou tão simplesmente belo e desassossegado como o Xicuembo de Rui Nogar?



 

eu bebeu suruma


dos teus ólho Ana Maria.


eu bebeu suruma


e ficou mesmo maluco


 

(…)


 

suruma dos teus ólho Ana Maria


matou sossego no meu coração


oh matou sossego no meu coração



 

Ou ainda sublime como E.E. Cummings?



 

i carry your heart with me (i carry it in


my heart) i am never without it (anywhere


i go you go, my dear; and whatever is done


by only me is your doing, my darling)


                                  i fear


no fate (for you are my fate, my sweet) i want


no world (for beautiful you are my world, my true)


and it's you are whatever a moon has always meant


and whatever a sun will always sing is you



(…)



 

Há outros poemas mais elaborados, provavelmente mais belos, poetas de quem me esqueci, contestarão vocês. Certamente… mas quando penso em Amor são estes que imediatamente me vêm à mente, tal como a canção “She” de Charles Aznavour / Elvis Costello.

 

O que gostaria de conversar convosco é sobre a expressão do amor pela terra natal, pelo que denominamos de Pátria.

 

Fácil, basta ver o hino nacional de cada país, não é? Por exemplo o de Moçambique, Pátria Amada, verdadeira expressão de amor patriótico:



 

Na memória de África e do Mundo,


Pátria bela dos que ousaram lutar.


Moçambique, o teu nome é liberdade,


o Sol de Junho para sempre brilhará.


 

Moçambique nossa terra gloriosa,


pedra a pedra construindo um novo dia.


Milhões de braços, uma só força,


oh pátria amada, vamos vencer.


 

Povo unido do Rovuma ao Maputo,


colhe os frutos do combate pela paz.


Cresce o sonho ondulando na bandeira,


e vai lavrando na certeza do amanhã.


 

(…)


 

Flores brotando do chão do teu suor,


pelos montes, pelos rios, pelo mar.


Nós juramos por ti, oh Moçambique,


nenhum tirano nos irá escravizar.


 

(…)


 

Esta nova letra substituiu a do anterior hino datado de um período revolucionário e também de exaltação patriótica, mas menos inclusiva, porque ainda que expoente da libertação tão ansiosamente esperada e portadora de utopias galvanizadoras foi igualmente sinónimo de intransigências e marginalizações.

 

Infelizmente, em muitas mentes da minha terra, alguma dessa intolerância ainda persiste. Continuam a instrumentalizar o patriotismo como uma forma de exclusão, velada ou explicitamente. Não conseguem admitir que o facto de alguém reprovar algumas acções do poder instituído, isso não significa necessariamente que se esteja absolutamente contra quem exerce esse poder e não se seja tão patriota como os seus apoiantes acríticos, principalmente se quem critica, residir fora do país. Não estarão aqueles confundindo Poder com Pátria?

 

Não se dizia nos tempos pretéritos que “a prática é o critério da verdade”?

 

Ora quem vive no estrangeiro, no que agora se denomina de diáspora, por opção ou contrafeito, não pode assumir-se como moçambicano, não pode expressar o seu amor pela terra que o viu nascer? Não tem direito à palavra?

 

Socorro-me de José Marti, herói cubano:



 

Cuba nos une en extranjero suelo,


Auras de Cuba nuestro amor desea:


Cuba es tu corazón, Cuba es mi cielo,


Cuba en tu libro mi palabra sea.



 

Amarão menos a sua terra natal os poetas Luís Carlos Patraquim e o Francisco Guita Jr.? E o pintor Roberto Chichorro e o escritor Sérgio Raimundo - Militar? E os fotógrafos Sérgio Santimano e António Cossa? E a cantora Selma Uamusse e o professor Elísio Macamo? Poderia continuar enumerando os inúmeros moçambicanos ilustres ou desconhecidos, espalhados por este mundo fora.

 

A sua arte não demonstra empenho e amor pela sua terra? E aqueles que não são artistas, não podem demonstrar o mesmo de outras formas? Pelo estudo e investigação da realidade moçambicana? Por propostas visando o desenvolvimento económico e social? Convocando vontades para ajudar Moçambique? Participando em ONGs ou apoiando organizações da sociedade civil moçambicana? Discreta ou abertamente.

 

E porque não até expressando e publicando a sua revolta e indignação por ignomínias que se passam na sua terra ainda que eventualmente discordantes da posição do status quo oficial?


É isto desamor pela Pátria?


 

A distância os fará menos empenhados?


 

Não partilharão eles de um sonho chamado Moçambique?


Ou quem são eles para sonhar Moçambique?


 

Talvez a questão seja mesmo esta, independentemente de quem for ou onde resida.

 

Qual é o sonho? Em que se consubstancia?


É um sonho partilhado, abrangente ou excludente?


 

 

Disse-me um grande amigo que talvez o nosso mundo precise mais de sentar e conversar do que trocar acusações. Não posso deixar de concordar e quiçá, tal como os médicos exercem, juntos descrevermos e analisarmos os sintomas para identificar e tratar as causas das nossas maleitas.


 

 

“Ninguém ama a sua pátria porque é grande, mas porque é sua”



Séneca, Cartas a Lucílio



 

 




José Paulo Pinto Lobo



0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP