"A expressão do amor": José Paulo Pinto Lobo
A
expressão do amor
amor
omnia vincit.
Espantados com este
título?
Não, não se aflijam.
Não irei discorrer sobre o Amor em geral. Poetas, filósofos, romancistas há
muito que o fizeram e certamente continuarão a compor odes ao Amor bem melhor
do que eu alguma vez poderei imaginar.
Acham em sã
consciência que poderia produzir algo tão romântico como Camões?
Amor é
um fogo que arde sem se ver,
É ferida
que dói, e não se sente;
É um
contentamento descontente
É dor
que desatina sem doer.
(…)
Ou tão simplesmente
belo e desassossegado como o Xicuembo de Rui Nogar?
eu bebeu
suruma
dos teus
ólho Ana Maria.
eu bebeu
suruma
e ficou
mesmo maluco
(…)
suruma
dos teus ólho Ana Maria
matou
sossego no meu coração
oh matou
sossego no meu coração
Ou ainda sublime
como E.E. Cummings?
i
carry your heart with me (i carry it in
my
heart) i am never without it (anywhere
i go
you go, my dear; and whatever is done
by
only me is your doing, my darling)
i fear
no
fate (for you are my fate, my sweet) i want
no
world (for beautiful you are my world, my true)
and
it's you are whatever a moon has always meant
and
whatever a sun will always sing is you
(…)
Há outros poemas
mais elaborados, provavelmente mais belos, poetas de quem me esqueci,
contestarão vocês. Certamente… mas quando penso em Amor são estes que
imediatamente me vêm à mente, tal como a canção “She” de Charles
Aznavour / Elvis Costello.
O que gostaria de
conversar convosco é sobre a expressão do amor pela terra natal, pelo que
denominamos de Pátria.
Fácil, basta ver o
hino nacional de cada país, não é? Por exemplo o de Moçambique, Pátria Amada,
verdadeira expressão de amor patriótico:
Na
memória de África e do Mundo,
Pátria
bela dos que ousaram lutar.
Moçambique,
o teu nome é liberdade,
o Sol de
Junho para sempre brilhará.
Moçambique
nossa terra gloriosa,
pedra a
pedra construindo um novo dia.
Milhões
de braços, uma só força,
oh
pátria amada, vamos vencer.
Povo
unido do Rovuma ao Maputo,
colhe os
frutos do combate pela paz.
Cresce o
sonho ondulando na bandeira,
e vai
lavrando na certeza do amanhã.
(…)
Flores
brotando do chão do teu suor,
pelos
montes, pelos rios, pelo mar.
Nós
juramos por ti, oh Moçambique,
nenhum
tirano nos irá escravizar.
(…)
Esta nova letra
substituiu a do anterior hino datado de um período revolucionário e também de
exaltação patriótica, mas menos inclusiva, porque ainda que expoente da
libertação tão ansiosamente esperada e portadora de utopias galvanizadoras foi
igualmente sinónimo de intransigências e marginalizações.
Infelizmente, em
muitas mentes da minha terra, alguma dessa intolerância ainda persiste.
Continuam a instrumentalizar o patriotismo como uma forma de exclusão, velada
ou explicitamente. Não conseguem admitir que o facto de alguém reprovar algumas
acções do poder instituído, isso não significa necessariamente que se esteja
absolutamente contra quem exerce esse poder e não se seja tão patriota como os
seus apoiantes acríticos, principalmente se quem critica, residir fora do país.
Não estarão aqueles confundindo Poder com Pátria?
Não se dizia nos
tempos pretéritos que “a prática é o critério da verdade”?
Ora quem vive no
estrangeiro, no que agora se denomina de diáspora, por opção ou contrafeito,
não pode assumir-se como moçambicano, não pode expressar o seu amor pela terra
que o viu nascer? Não tem direito à palavra?
Socorro-me de José
Marti, herói cubano:
Cuba nos
une en extranjero suelo,
Auras de
Cuba nuestro amor desea:
Cuba es
tu corazón, Cuba es mi cielo,
Cuba en
tu libro mi palabra sea.
Amarão menos a sua
terra natal os poetas Luís Carlos Patraquim e o Francisco Guita Jr.? E o pintor
Roberto Chichorro e o escritor Sérgio Raimundo - Militar? E os fotógrafos
Sérgio Santimano e António Cossa? E a cantora Selma Uamusse e o professor
Elísio Macamo? Poderia continuar enumerando os inúmeros moçambicanos ilustres
ou desconhecidos, espalhados por este mundo fora.
A sua arte não
demonstra empenho e amor pela sua terra? E aqueles que não são artistas, não
podem demonstrar o mesmo de outras formas? Pelo estudo e investigação da
realidade moçambicana? Por propostas visando o desenvolvimento económico e
social? Convocando vontades para ajudar Moçambique? Participando em ONGs ou
apoiando organizações da sociedade civil moçambicana? Discreta ou abertamente.
E porque não até
expressando e publicando a sua revolta e indignação por ignomínias que se
passam na sua terra ainda que eventualmente discordantes da posição do status
quo oficial?
É isto desamor pela
Pátria?
A distância os fará
menos empenhados?
Não partilharão eles
de um sonho chamado Moçambique?
Ou quem são eles
para sonhar Moçambique?
Talvez a questão seja mesmo esta,
independentemente de quem for ou onde resida.
Qual é o sonho? Em
que se consubstancia?
É um sonho
partilhado, abrangente ou excludente?
Disse-me um grande
amigo que talvez o nosso mundo precise mais de sentar e conversar do que trocar
acusações. Não posso deixar de concordar e quiçá, tal como os médicos exercem,
juntos descrevermos e analisarmos os sintomas para identificar e tratar as
causas das nossas maleitas.
“Ninguém ama a sua pátria porque é grande,
mas porque é sua”
Séneca, Cartas a Lucílio
José Paulo Pinto Lobo
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