quinta-feira, 24 de outubro de 2024

"Se eu devo morrer" - Refaat Alareer

 



Se eu devo morrer




Se eu devo morrer


Tu deves viver


Para contar minha história


Para vender meus trastes


Para comprar um pedaço de pano


E também umas cordas


(Uma pano branco com uma cauda


que alongaste)


De modo que uma criança, em


algum lugar de Gaza,


Que tenha o céu no centro de seu


olhar,


Esperando pelo pai que se foi num


arder de fogaréu,


Sem se despedir de ninguém,


Sequer de seu corpo,


Sequer de si mesmo,


Que ele veja este teu pássaro


voador bem no alto,


Que pense por um momento que lá


voa um anjo,


Trazendo o amor de volta.


Se eu devo morrer,


Que tal fado traga esperança,


Que se transforme numa história.




Refaat Alareer*
 

*Refaat Alareer foi um escritor, poeta e professor palestino. Nascido em Gaza em 23 de setembro de 1979, estudou na Universidade de Gaza e no University College London, especializando-se em literatura inglesa. Tornou-se professor de literatura e de criação literária na Universidade Islâmica de Gaza. Foi um dos fundadores da organização We Are Not Numbers [Nós não somos números], que procurava inspirar a arte de contar histórias como uma forma de resistência contra a ocupação israelense. Alareer tornou-se um crítico veemente da ocupação israelense, colaborando por diversas vezes na mídia estadunidense e inglesa. Recebia frementemente ameaças de morte pelo telefone. Morreu durante um bombardeio israelense no norte de Gaza, em 6 de dezembro de 2023. Há suspeitas de que foi alvejado intencionalmente, segundo depoimentos de testemunhas oculares e de ta mbém de familiares. No ataque morreram seu irmão, sua irmã e quatro de seus sobrinhos, que se encontravam no mesmo apartamento. Casado, Alareer deixou esposa e seis filhos. “Se eu devo morrer” foi o último poema que escreveu.



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