sábado, 23 de setembro de 2023

Na partida de minha inesquecível professora e orientadora Mirian Jorge Warde

 




Meu depoimento

 

Conheci a professora Mirian Jorge Warde há 30 anos, mais concretamente, no dia 29/11/1993, na banca de defesa de Doutorado em Educação de meu colega moçambicano Miguel Buendia Gomez na Universidade de São Paulo (USP). O título de seu trabalho era “Educação moçambicana - a história de um processo: 1962-1984”. Fiquei bastante impressionado com a arguição extremamente elegante, eloquente e crítica que ela fez ao meu colega. No final da defesa troquei breves palavras com ela.


 

Só nos voltamos a encontrar em 1995 quando a profa. Mirian participou na minha banca de Mestrado em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O título de meu trabalho era “Formação de Professores Primários e Identidade Nacional em Moçambique. Não poderei esquecer jamais os elogios que ela fez à minha pesquisa. Entre eles, cito: 



“À guisa de parênteses” que Miguel Lopes apresenta nas primeiras páginas deste estudo é uma das peças mais humanas que já li, uma reflexão de quem pensa politicamente. Esse é um brado de uma honestidade contundente. Literalmente, emocionou-me. Primeiro, começa com uma frase belíssima, preciosíssima: “Herdeira do cristianismo que inventou o exame de consciência, a modernidade inventou a crítica”. O autor tem, fundamentalmente, no horizonte, a utopia, mas não no sentido de uma relação fantasiosa sobre o real. Ele faz sua análise do ponto de vista mais avançado, que é o de admitir que o lugar conceitual já não esteja mais em um único lugar.

 


Em 1996 ingressei no Doutorado em História e Filosofia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) tendo a profa. Mirian Warde como orientadora. Suas aulas e sua orientação foram uma etapa relevante na minha formação acadêmica. O processo culminou com a minha defesa de Tese no início de 2000, com o título “Cultura acústica e letramento em Moçambique: em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural”. A banca elogiou minha pesquisa e sugeriu, enfaticamente, que ela precisaria ser publicada. Isso veio a ocorrer em 2004, numa publicação da editora EDUC (672 págs.). O livro se esgotou e teve nova edição em 2022.


 

Minha atividade profissional que se seguiu ao término do Doutorado, levou-me a trabalhar em várias Universidades, com destaque para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Acredito que minha atividade no campo educacional no Brasil foi fortemente embasada nos ensinamentos que pude colher da profa. Mirian Warde. Tornamo-nos amigos ao longo de mais de duas décadas. Trocávamos e-mails regularmente. O que guardo na memória? Foram fortíssimas as primeiras impressões que tive da profa. Mirian, marcas indeléveis que o tempo não apagou. Em primeiro lugar, chamou-me a atenção seu caráter afável, sua enorme simplicidade, sua capacidade para tratar de temas complexos numa linguagem de grande clareza e sem perda do rigor próprio da ciência.


 

Como não lembrar aquela que fez da vida uma crônica da vontade humana, uma busca vital do sentido da essência, o convite da intelectual à prática do rigor? A profa. Mirian era um todo indissociável. Nela, e sem nunca se ofuscarem umas às outras, encontravam-se reunidas a mulher, a crítica, a filósofa, a pedagoga e a política. Personalidade encantadora, única por ser tão raro ver na mesma pessoa um ser humano profundo e ao mesmo tempo suave, esteta da vida e da língua.


 

Nesta penosa despedida e simultaneamente luminosa lembrança, o universo converge para esta mulher num instante raro: se seus parentes e amigos estão agora sofrendo a sua perda, quero enfatizar que a sua família é agora o mundo. A perda é partilhada, mas nossas lágrimas são unas, porque a profa. Mirian colocou o ser humano no coração do mundo e o mundo no coração do ser humano.


 

José de Sousa Miguel Lopes


 

Belo Horizonte, 23/09/2023


 



Nota de pesar da ANPED pelo falecimento de Mirian Jorge Warde

 

É com imensa tristeza que a ANPEd emite esta nota de pesar pelo falecimento da Profa. Dra. Mirian Jorge Warde, anunciada nesta sexta-feira, 22 de setembro de 2023. Ela atuava como docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, do Programa de Pós-Graduação em Educação.


Sua importância está destacada e registrada em uma trajetória voltada ao campo da educação, particularizada nos estudos e debates acerca da História da Educação. Acresce-se a esta trajetória, sua militância e envolvimento com a produção e circulação do conhecimento, seja na condição de Pesquisadora Sênior e Consultora do CNPq, perpassando sua integração em corpos editoriais de periódicos nacionais e internacionais, até sua participação destacável em sociedades e associações.


Especialmente na ANPEd, além de integrar o GT 02, esteve na Coordenação do Fórum de Coordenadores de Pós-graduação em Educação (Forpred) no biênio 1993-1995, quando desencadeou as discussões sobre o Sistema de Avaliação da Pós-Graduação brasileiro.


 

Assista à sua fala em que conta fatos que ocorreram ao longo de sua vida e que a influenciaram a seguir a carreira de educadora. Reflete igualmente sobre sua trajetória pessoal, institucional e disciplinar. Para assistir à sua fala clique aqui


Sobre memória oral assista à sua fala clicando aqui

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