sábado, 22 de dezembro de 2012

FEDERICO GARCIA LORCA: "Este é o Prólogo"

Este é o Prólogo

Deixaria neste livro

toda a minha alma.

este livro que viu

as paisagens comigo

e viveu horas santas.

Que pena dos livros

que nos enchem as mãos

de rosas e de estrelas

e lentamente passam !

Que tristeza tão funda

é olhar os retábulos

de dores e de penas

que um coração levanta!

Ver passar os espectros

de vida que se apagam,

ver o homem desnudo

em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,

a síntese do mundo,

que em espaços profundos

se olham e se abraçam.

Um livro de poesias

é o outono morto:

os versos são as folhas

negras em terras brancas,

e a voz que os lê

é o sopro do vento

que lhes incute nos peitos

- entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore

com frutos de tristeza

e com folhas murchas

de chorar o que ama.

O poeta é o médium

da Natureza

que explica sua grandeza

por meio de palavras.

O poeta compreende

todo o incompreensível

e as coisas que se odeiam,

ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas

são todas impossíveis,

e por isso de noite

vai por elas com calma.

Nos livros de versos,

entre rosas de sangue,

vão passando as tristes

e eternas caravanas

que fizeram ao poeta

quando chora nas tardes,

rodeado e cingido

por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,

mel celeste que emana

de um favo invisível

que as almas fabricam.

Poesia é o impossível

feito possível. Harpa

que tem em vez de cordas

corações e chamas.

Poesia é a vida

que cruzamos com ânsia,

esperando o que leva

sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos

sãos os astros que passam

pelo silêncio mudo

para o reino do Nada,

escrevendo no céu

suas estrofes de prata.

Oh ! que penas tão fundas

e nunca remediadas,

as vozes dolorosas

que os poetas cantam!

Deixaria neste livro

toda a minha alma...

Federico Garcia Lorca
(tradução: William Agel de Melo)

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