"Raimundo" - Fadwa Tuqan
(Versão de “Hamza”, poema de Fadwa Tuqan, traduzido e “trazido” da Palestina para o sertão do Piauí, por Adelaide Ivánova)
Raimundo era um homem qualquer
Como tantos outros no meu povoado
Ganhava seu pão com trabalho braçal.
Quando o vi recentemente
Nossa terra ainda se vestia de preto, em luto,
E eu me senti derrotada.
Mas Raimundo-Um-Homem-Qualquer disse
“Comadre, nossa terra tem um coração que bate
e persevera, que suporta o insuportável, que guarda o segredo de mãos
e ventres. Nossa terra de onde brotam catos e umbus também dá
à luz guerreiros. Nossa terra, comadre, é uma mulher”.
Os dias passam. Não vejo Raimundo em canto nenhum,
Mas sinto a barriga da terra sofrer. Aos 65 anos,
Raimundo é pesado para ela carregar.
“Toquem fogo na casa dele!”
Ouvi o coronel berrar
“E metam o filho dele no xilindró”.
O militar responsável por nosso povoado
Depois explicou que tal medida era necessária
Pra manter a ordem e o progresso,
Ou seja, foi por paz e amor!
Capangas armados cercaram a casa de Raimundo,
Como uma cascavel enrolada, pronta pro bote.
A porrada na porta veio com uma ordem de despejo
“Saia de casa agora!”
Mas, generosos, ofereceram um prazo:
“Tem uma hora pra evacuar!”
Raimundo abre a janela, bota a cara no sol e
Berra, confiante: “É nessa casa que eu e meus filhos vamos viver
e morrer, pelo Araripe”. A voz de Raimundo ecoou através do
silêncio de morte.
Uma hora depois, conforme prometido, a casa de Raimundo
Foi demolida, os quartos voando pelos ares, estilhaço e caliça
Voam e voltam ao chão, enterrando uma vida inteira de
memórias, trabalho, lágrimas
E um passado feliz.
Ontem eu vi Raimundo
Andado por uma das nossas ruas
Raimundo-Um-Homem-Qualquer estava
Como sempre esteve: inabalável em sua determinação.
Fadwa Tuqan*
*Para mais informações sobre autora clique aqui
Para ter acesso ao mais recente livro de poesia "Nas sílabas do vento" do autor do blog clique aqui
0 comentários:
Postar um comentário