quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

"Poema para a catástrofe do nosso tempo" - Alberto Pucheu




AVISO AOS NAVEGANTES 




O poema que aqui se apresenta exige alguma disponibilidade de tempo do leitor. Se não tem tempo agora, reserve-o para outro momento. Incentivo-o a ler um dos poemas mais explosivos e devastadores de nosso tempo. "Poema para a catástrofe do nosso tempo" é fruto do esforço empreendido pelo autor para sintetizar os acontecimentos entre as eleições presidenciais de 2018 e o início da pandemia de Covid-19 no Brasil. Um poema híbrido que, ao costurar diversos personagens e gêneros textuais, compõe um relato visceral do nosso tempo que busca ir ao encontro e ao confronto da realidade catastrófica em que nos colocamos, não apenas no Brasil, mas no mundo. Na obra, Pucheu amalgama um eu lírico que percorre a cidade, lança sobre ela um olhar de perquirição, e, sobretudo, como ele mesmo afirma, ouve suas vozes. Vozes anônimas, efêmeras, algumas impessoais, outras cujos nomes reverberam nos poemas uma verdadeira polifonia existencial, como um caleidoscópio que reflete as combinações variadas, plurais, contraditórias, em tudo, intensas do tecido social. Um poema-manifesto que imprime em relevo o tom elegíaco do nosso tempo, como enuncia o eu lírico, nos versos iniciais: “Amanhã não será um dia melhor/do que hoje, que não é um dia/ melhor do que ontem”. O tom melancólico, com efeito, está longe de flertar com a ideia de Adorno, quando vaticinava a impossibilidade da poesia pós-Auschwitz; nem o eu lírico pucheuniano evade-se da praça dos convites, para lembrar a interrogação do poema de Drummond. Ao contrário, sua atitude e as linhas de força de sua poesia são as de uma orquestração dessas vozes como signos da inserção histórica (do passado imediato, do presente agônico e do futuro imprevisível), política e existencial que se definem pela resistência subjetiva do e no discurso poético. Pode notar-se que a acústica dessas vidas rasteiras, com suas tensões intrínsecas e a reverberação de seus apelos e demandas, revelam o método de colecionador benjaminiano de Pucheu, um pouco como Guimarães Rosa e seus cadernos de anotações sobre o sertão e “os crespos do homem”. Para reger, Pucheu desce o tablado, põe-se ao rés do chão, lado a lado, para melhor ouvir.



Alberto Pucheu é poeta e professor de Teoria Literária da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como poeta, publicou, dentre outros, Mais cotidiano que o cotidiano (2013), Para que poetas em tempos de terrorismos? (no Brasil e em Portugal, 2017) e Poemas para serem lidos nas posses de presidentes (2019).





"Poema para a catástrofe do nosso tempo"



I


Amanhã não será um dia melhor

do que hoje, que não é um dia

melhor do que ontem. Há um

sentimento fúnebre no ar,

de quem tem vivenciado

uma morte após a outra,

de quem tem vivenciado,

antecipadamente, mais uma

morte, a última delas, a morte

após a própria morte, a morte

da qual não se tem retorno,

a morte da qual os mortos

não voltam dela para a vida,

a morte a que apenas os vivos

se encaminham para ela

sem jamais poder voltar,

a morte da qual não se tem

poemas para se fazer,

não a morte simbólica,

mas a outra, a real,

a experiência final da morte

em vida, da qual sobrevivemos,

se tanto, ainda que neste mundo,

enquanto fantasmas desossados,

descarnados, desfigurados,

que berram na tentativa de evitar

a morte e de evitar, a todo custo,

a morte em vida. Berramos em vão. 



Para ler o poema completo clique aqui





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