terça-feira, 7 de dezembro de 2021

"No caminho com Maiakóvski" - Eduardo Alves da Costa

 



No caminho com Maiakóvski






Assim como a criança


humildemente afaga


a imagem do herói,


assim me aproximo de ti, Maiakóvski.


Não importa o que me possa acontecer


por andar ombro a ombro


com um poeta soviético.


Lendo teus versos,


aprendi a ter coragem.




Tu sabes,


conheces melhor do que eu


a velha história.


Na primeira noite eles se aproximam


e roubam uma flor


do nosso jardim.


E não dizemos nada.


Na segunda noite, já não se escondem:


pisam as flores,


matam nosso cão,


e não dizemos nada.


Até que um dia,


o mais frágil deles


entra sozinho em nossa casa,


rouba-nos a luz, e,


conhecendo nosso medo,


arranca-nos a voz da garganta.


E já não podemos dizer nada.




Nos dias que correm


a ninguém é dado


repousar a cabeça


alheia ao terror.


Os humildes baixam a cerviz;


e nós, que não temos pacto algum


com os senhores do mundo,


por temor nos calamos.


No silêncio de meu quarto


a ousadia me afogueia as faces


e eu fantasio um levante;


mas amanhã,


diante do juiz,


talvez meus lábios


calem a verdade


como um foco de germes


capaz de me destruir.




Olho ao redor


e o que vejo


e acabo por repetir


são mentiras.


Mal sabe a criança dizer mãe


e a propaganda lhe destrói a consciência.


A mim, quase me arrastam


pela gola do paletó


à porta do templo


e me pedem que aguarde


até que a Democracia


se digne a aparecer no balcão.


Mas eu sei,


porque não estou amedrontado


a ponto de cegar, que ela tem uma espada


a lhe espetar as costelas


e o riso que nos mostra


é uma tênue cortina


lançada sobre os arsenais.


 
Vamos ao campo


e não os vemos ao nosso lado,


no plantio.


Mas ao tempo da colheita


lá estão


e acabam por nos roubar


até o último grão de trigo.


Dizem-nos que de nós emana o poder


mas sempre o temos contra nós.


Dizem-nos que é preciso


defender nossos lares


mas se nos rebelamos contra a opressão


é sobre nós que marcham os soldados.




E por temor eu me calo,


por temor aceito a condição


de falso democrata


e rotulo meus gestos


com a palavra liberdade,


procurando, num sorriso,


esconder minha dor


diante de meus superiores.


Mas dentro de mim,


com a potência de um milhão de vozes,


o coração grita – MENTIRA!



 

 

Eduardo Alves da Costa (1968)





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