"Morrer em Veneza" - Eugénio Lisboa
Morrer em Veneza
À memória de Gustav
Asschenbach
morto em Veneza.
Em Veneza, morre-se
Gustavo,
a meio da manhã.
Em Veneza corre-se
Gustavo
atrás da vida vã.
Morrer em beleza,
Morrer em Veneza!
À nossa volta, Veneza apodrece
e, nas malhas que a vida tece,
morremos nós, assim parece
se da vida se não merece.
Morrer em beleza,
morrer em Veneza!
Arte é trabalho, dizes, Gustavo!
Arte é suor e arte é rigor.
Mas deixa na boca um duro travo
a montes de cinza, sem amor.
Morrer em beleza,
morrer em Veneza!
Em Veneza, morre-se
Gustavo,
da vida que não houve.
Em Veneza, morre-se,
Gustavo,
do destino que nos ouve.
Morrer em beleza,
morrer em Veneza!
Ouvir nos canais o rumor da morte,
enquanto em cima buscamos a vida.
A beleza, Gustavo, é o norte,
quando em nós a vida já é perdida.
Morrer em beleza,
morrer em Veneza!
A peste que nos perca
e o belo que nos cerca:
modos de achar em Veneza
o nó da nossa certeza.
Morrer em beleza,
Morrer em Veneza!
Eugénio Lisboa
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