sábado, 9 de março de 2013

MIA COUTO: "Confidência"

CONFIDÊNCIA
 
Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suamente
pronunciares o meu nome
 
Mia Couto

1 comentários:

Rita 20 de março de 2013 às 18:36  

Por onde andava a poesia?
Esquecida nas gavetas da memória ou perdida no tempo que passa depressa demais?
Um presente os poemas que aqui repousam.
Por hoje matei minha sede de boa poesia!

Obrigada.

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