terça-feira, 21 de setembro de 2021

"Os trabalhos e os dias" - Jorge de Sena




Os trabalhos e os dias







Sento-me à mesa como se a mesa fosse o mundo inteiro


e principio a escrever como se escrever fosse respirar


o amor que não se esvai enquanto os corpos sabem


de um caminho sem nada para o regresso da vida.




À medida que escrevo, vou ficando espantado


com a convicção que a mínima coisa põe em não ser nada.


Na mínima coisa que sou, pôde a poesia ser hábito.


Vem, teimosa, com a alegria de eu ficar alegre,


quando fico triste por serem palavras já ditas


estas que vêm, lembradas, doutros poemas velhos.




Uma corrente me prende à mesa em que os homens comem.


E os convivas que chegam intencionalmente sorriem


e só eu sei porque principiei a escrever no princípio do mundo


e desenhei uma rena para a caçar melhor


e falo da verdade, essa iguaria rara:


este papel, esta mesa, eu apreendendo o que escrevo.





Jorge de Sena 




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