segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

"Poema do Futuro" - António Gedeão






Poema do Futuro

 

 



Conscientemente escrevo e, consciente,


medito o meu destino.




No declive do tempo os anos correm,


deslizam como a água, até que um dia


um possível leitor pega num livro


e lê,


lê displicentemente,


por mero acaso, sem saber porquê.


Lê, e sorri.


Sorri da construção do verso que destoa


no seu diferente ouvido;


sorri dos termos que o poeta usou


onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;


e sorri, quase ri, do íntimo sentido,


do latejar antigo


daquele corpo imóvel, exumado


da vala do poema.




Na História Natural dos sentimentos


tudo se transformou.


O amor tem outras falas,


a dor outras arestas,


a esperança outros disfarces,


a raiva outros esgares.


Estendido sobre a página, exposto e descoberto,


exemplar curioso de um mundo ultrapassado,


é tudo quanto fica,


é tudo quanto resta


de um ser que entre outros seres


vagueou sobre a Terra.





António Gedeão


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