"AntiDeuteronómio I" - Adão Cruz
AntiDeuteronómio
I
A cidade está
deserta por dentro e por fora de nós
Começa a não haver vivalma neste lusco‑fusco brumoso
neste irracional azul de um céu de chumbo
nesta
descrença de manhãs de sonho
em bicéfalas
e bárbaras bandeiras de um
mundo informe
e medonho.
Seguir em
frente no deserto do fim do dia
dilatar a esperança até que raie a claridade
no ventre da
manhã de fogo e sangue
entrar na
vereda enlameada e fria
dos homens de aço sem perfil e sem destino
virar na
esquina sem luz da esperança perdida
no contra‑senso
divino…
ou voltar
para lugar algum.
Como seria
bom continuar eternamente
o caminho que nascendo dentro de nós
em fio de
regato cristalino
se perde ingloriamente à flor da pele.
Assim que for
dia
se dia chegar
a ser nesta aparência de paisagem
não podemos
deixar que a nuvem negra sombria
e a negra
miragem
venha toldar
a aurora da razão
e semear ruínas no coração apodrecido das nações
e no cérebro corrompido por obscenas falas
armas e
cifrões
de imperiais e acéfalos patrões.
Se
libertarmos da nuvem negra
a aurora da
nossa interrogação
se impedirmos
a negra nuvem
de apagar a
luz da inquietação
na
incontornável unidade do pensamento e da
razão
o poema
incendiará as asas do vento
e queimará as garras dos abutres
devolvendo à
humanidade algum alento.
A terra
engolirá os exércitos genocidas
que à sombra
da nuvem negra
de
deuteronómicos evangelhos
a ferro e fogo se empanturram de vidas
e se
embebedam de sangue
para glória
do Senhor dos Exércitos…
e jamais
haverá Deuteronómio que resista
por mais
petróleo que na terra exista.
E jamais a
exaltação da santidade
estará na
morte e nas cinzas da cidade
E não haverá
espinhos nos olhos
e aguilhões
nos flancos da vida…
e não haverá
armas de destruição maciça
no coração das mães dos filhos exterminados.
Na diáfana
manhã de um novo dia
apenas a
plangente harmonia
de um Stabat
Mater
Adão
Cruz
0 comentários:
Postar um comentário