sexta-feira, 25 de agosto de 2017

"Um poema ao amor, que todo ele é dádiva e exaltação" - Casimiro de Brito

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Um poema ao amor, que todo ele é dádiva e exaltação

Nada me dá mais prazer mais emoção
Do que dobrar-me sobre os pés da minha amada

Esses pés essas unhas finas que beijo e mordo
Como se não fossem unhas mas pérolas vivas

Beijo-te os pés e olho para o alto e já sinto
As tuas mãos a acariciarem-me os cabelos

As tuas mãos carinhosas que soletram o meu rosto
E já percorrem meu pescoço meus ombros

E levanto-me leve e paciente até aos teus joelhos
Que se afastam nervosos e complacentes

As tuas mãos no meu rosto ardem no meu crânio
Como se dissessem "por que não sobes um pouco”?

E eu subo exactamente ao mesmo tempo
Em que tu desces em que tu já te debruças

Toco-te então no rosto no pescoço nos ombros
E minhas mãos despem já a tua blusa o teu soutien

E as tuas mãos arrancam-me a t-shirt e jogam-na
Para o chão onde se junta às tuas roupas

E nesse momento sinto uma inveja inesperada
Desses tecidos que já pousam uns sobre os outros

Mas as cerejas dos teus seios são urgentes
E nesse momento eu gostaria de ter duas bocas

Para que uma das cerejas não ficasse com inveja
Da outra : e já as beijo e já estamos caídos

No chão que parece um tapete voador quando enfim
Nos tocamos e abraçamos e desejamos

Transformar esse lugar sentado numa fogueira
Fogosa e já ardemos e queremos arder um pouco mais

Tiro-te então a saia ao mesmo tempo que tu
Me arrancas os jeans e começamos a beijar-nos

Onde somos ainda trapos que já são delicadamente
Arrancados pelas tuas mãos e pelas minhas mãos

Estamos enfim nus nós que já estávamos nus
No altar delicado do nosso desejo do nosso olhar

E sem saber exactamente o que sentiste e pensaste
Senti que ver-te assim despida e brilhante

Era em si um paraíso mas também a promessa
De outro paraíso que talvez se aproximasse

E já me deslumbrava. Foi uma visão transcendental
Ver pela primeira vez o corpo o mármore a fonte

Da minha amada. Quando parecia que nos íamos entregar
A uma festa súbita ficámos a olhar um para o outro

A reconhecer na música do outro as nossas emoções
Enfim desfraldadas. Eis então que nos ajoelhamos

Diante da humana paisagem tão desejada
Como se estivéssemos a ver uma ilha deserta

E a pensar que a devíamos ocupar. Foi assim que fomos
A ilha um do outro primeiro vislumbrada

Com seus pássaros e silêncios e o que parecia ser
Um desejo plural. Não sei qual de nós começou

A escrever na nova página, na pauta que tu abrias,
na página minha toda tua. Quem ama não tem pressa

Pensei pousando a minha cabeça entre os teus seios
E depois comecei a degustá-los enquanto tu

Me puxavas pelos ombros. Terias pressa? Penso que não
Pois em amor a pressa é sempre má conselheira

Mas apeteceu-me descer e pareceu-me que a ti
Também. Quem desceria primeiro? Ao mesmo tempo

Não era possível. Desci ao teu umbigo e tu levantaste
Os ombros. Desci um pouco mais e tu abriste levemente

As tuas pernas nervosas. Mas chocámos. Desejávamos
Fazer o mesmo ao mesmo tempo. Eu beijar-te o sexo

Tu beijares-me o meu. Os nossos olhos concordaram,
Seria eu a começar. Aproximei a língua do paraíso

Que tu me abriste. Titilei. Mordi levemente o teu grão
Mágico. Mas as tuas mãos fixaram-se com vigor

Na minha cabeça como quem diz que também quer.
E então as tuas mãos tomam a flor do meu sexo

Ainda tenro e menino sentados ao lado um do outro
No momento exacto em que os meus dedos molhados

Entravam na tua fenda. Ambas as mãos na fonte
Vulnerável mas amiga. A cerimónia, pois de uma cerimónia

Se tratava, celebrava-se em dois altares. Um mais um
Igual a Um. Mas como fazer, como desenrolar o fio

Da nossa volúpia? Hesitámos. Mas tu foste mais
Audaciosa e começaste a morder a minha cana de bambu

Agora já exaltada. Interrompi. Eu queria também. E
Logo ali a minha língua se transformou não sei se

Em tulipa ou em cobra enlouquecida enroscando-se
No teu sexo já molhado e cheio desse delicado vazio

Que empurra os amantes para as portas do paraíso.
Mas eram dois os paraísos e cada um deles visitado

Pelo desejo do outro. Foi então que nos olhámos
Como quem pergunta: e agora, como fazemos? Pedi-te,

Com os olhos te pedi que ficasses com o poder, que
Ficasses por cima de mim e de mim dispusesses

Como bem te aprouvesse. Sem palavras aceitaste e eu
Estendi-me de costas, como se uma árvore mínima

Se tivesse elevado generosa na ilha do nosso amor.
As mãos ajudaram. Entrei em ti como quem visita

Um recinto sagrado. E fui terra. E fui voo. E fui aura
E tu, fada e sábia, deixaste que te visitasse embora

Tivesses sido tu quem sorveu o pobre bicho tão humilde
E mais escravo do que senhor entregue já ao mistério

Da transformação de dois demónios num só anjo
Abrindo-se à fome e à sede se abrindo, eufóricos.

E entrámos e saímos e voltámos a sair e a entrar
Sem nunca sair completamente pois neste momento

Um não podia respirar sem a respiração do outro,
Sem a fome e a sede e o prazer e a morte do outro.

E foi neste momento de aura e euforia
Que ela começou a cantar, a cotovia.


Casimiro de Brito

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