VLADIMIR SAFATLE: O golpe final
O golpe final
Vladimir Safatle
14/07/2017
Aqueles que, nas últimas décadas, acreditaram que o caminho do
Brasil em direção a transformações sociais passava necessariamente pelo
gradualismo deveriam meditar profundamente nesta semana de julho.
Não foram poucos os que louvaram as virtudes de um reformismo
fraco porém seguro que vimos desde o início deste século, capaz de
paulatinamente avançar em conquistas sociais e melhoria das condições de vida
dos mais vulneráveis, enquanto evitava maiores conflitos políticos graças a
estratégias conciliatórias.
"Há de se respeitar a correlação de forças", era o que
se dizia. Para alguns, isso parecia sabedoria de quem lia "A Arte da
Guerra", de Sun Tzu, antes de reuniões com José Sarney e a lama do PMDB.
Eu pediria, então, que meditássemos a respeito do resultado final de tal
sabedoria.
Pois o verdadeiro resultado dessa estratégia está evidente hoje.
Nunca o Brasil viu tamanha regressão social e convite à espoliação do mundo do
trabalho.
O salto de modernização que nos propõem hoje tem requintes de sadismo.
Ou, que nome daríamos para a permissão de mulheres gestantes trabalharem em
ambientes insalubres e de que trabalhadores "tenham o direito" de
negociar seu horário de almoço?
Tudo isso foi feito ignorando solenemente o desejo explícito da
ampla maioria da população. Ignorância impulsionada pelo papel nefasto que
tiveram setores majoritários da imprensa ao dar visões completamente
monolíticas e unilaterais das discussões envolvendo tal debate.
Mas isso podia ser feito porque não há mais atores políticos
capazes de encarnar a insatisfação e a revolta. Hoje, o governo pode atirar
contra a população nas ruas em dias de manifestação e sair impune porque não há
ator político para incorporar rupturas efetivas. Eles se esgotaram nos
escaninhos de tal modelo de gestão social brasileiro.
A reforma trabalhista apenas demonstra que o gradualismo pariu um
monstro. Os mesmos que votaram para mandar a classe trabalhadora aos porões de
fábricas inglesas do século 19 estavam lá nas últimas coalizões dos governos
brasileiros, sendo ministros e negociadores parlamentares.
Ou seja, a política conciliatória os alimentou e os preservou, até
que eles se sentissem fortes o suficiente para assumirem a cena principal do
poder. "Mas era necessário preservar a governabilidade", era o que
diziam. Sim, este é o verdadeiro resultado da "governabilidade" do
ingovernável, da adaptação ao pior.
Como se fosse apenas um acaso, no dia seguinte à aprovação da
reforma trabalhista o Brasil viu o artífice deste reformismo conciliatório,
Luiz Inácio Lula da Silva, ser condenado a nove anos de prisão por corrupção.
Esse era um roteiro já escrito de véspera.
De toda forma, há de se admirar mais um resultado desta política
conciliatória –a adaptação ao modelo de corrupção funcional do sistema brasileiro
e, consequentemente, a fragilização completa de figuras um dia associadas, por
setores majoritários da população, a alguma forma de esperança de modernização
social.
O Brasil agora se digladia entre os que se indignam com tal
sentença e os que a aplaudem com lágrimas de emoção. Engraçado é ver outros
políticos que também mereciam condenação pregarem agora moralidade.
No entanto, o problema é que só existirá essa sentença, nada mais.
Este é o capítulo final. Da mesma forma que o capítulo final do julgamento do
mensalão foi a prisão de José Dirceu. Perguntem o que aconteceu com o
idealizador do mensalão, o ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo.
Ou perguntem sobre o que acontecerá a outro presidente do mesmo
partido, aquele senhor que foi pego em gravação telefônica dizendo que deveria
procurar um interceptador para propina que pudesse ser assassinado.
Ou o ex-presidente FHC, citado nos mesmos escândalos que agora
condenam Lula. Muitos reclamam da parcialidade da Justiça brasileira: há algo
de comédia nessa reclamação.
Que esta semana seja um sinal claro de que uma forma de fazer
política no Brasil se esgotou, seus fracassos são evidentes, suas fraquezas
também. Continuar no mesmo lugar é apenas uma forma autoinduzida de suicídio.
FONTE: Aqui
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