sábado, 29 de novembro de 2014

"Elegia: a sua amante, a caminho da cama" - John Donne (1572-1631)


Elegia: a sua amante, a caminho da cama

John Donne (1572-1631)

Tradução de David Mourão-Ferreira


“Vem, que a todo o repouso meu vigor desafia: mais ativo me sinto se jazendo contigo. Desfalece o guerreiro quando o não solicita para novos combates o seu próprio inimigo. O teu cinto retira, galáxia resplendente a rodear um mundo mais que o céu radioso. Desaperta o corpete, que de tão atraente os desejos acende nos olhos do curioso. De ti te desenlaces, como sinos a dizer que são horas de ir prá cama contigo. E despe essa camisa: como a ‘stou invejando por cingir o teu corpo muito mais do que o cinjo! Deixa cair a saia, para que brilhe ao Sol o fulgor desses montes entre prados e flores. Arranca dos cabelos a rede em que os envolves: basta-me o diadema da tua crina solta. Teus escarpins descalça: nada que te constranja no amoroso templo do leito que te indico. Sei que de roupas brancas se revestem os anjos, mas também os espectros de branco andam vestidos...Tu, porém, ao contrário desses fantasmas vãos que me gelam o sangue, pões-me fogo no ventre. Deixa que te percorra com vagabundas mãos atrás, à frente, em cima, por debaixo, por entre. Ó América minha, meu novo território, reino meu por mim próprio apenas povoado, meu império com minas de pedras preciosas, só por ir explorá-lo sinto-me abençoado! Tombando nos teus laços é que me torno livre; onde minha mão toca, meu selo deixo logo. Nudez em plenitude, que fonte de alegria! Tal qual como as almas devem ‘star nus os corpos no auge das delícias. Jóias que as damas usam para frívolos homens podem ser atrativas: perdidamente as olham, sem que ao menos descubram, para além dessas jóias, a alma que as habita. Femininos enfeites são como aqueles livros que só pelas estampas o iletrado louva: mas nós lhes desvendamos o místico sentido, se das damas a graça para aí nos remova. Quero pois conhecer-te no teu foro mais íntimo, como se te encontrasses no momento do parto. Por sobre a tua pele, nem um lençol de linho; nem dor nem inocência te sirvam de resguardo. Para dar-te o exemplo, desnudo-me primeiro. E vou cobrir-te o corpo, com o meu, por inteiro”.

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