Tire a palavra vingança e ponha o seu sorriso no caminho que eu quero passar com meu prazer, com meu solidário calor...
TIRE A PALAVRA VINGANÇA
E PONHA O SEU SORRISO NO CAMINHO
QUE EU QUERO PASSAR COM MEU
PRAZER,
COM MEU SOLIDÁRIO CALOR... *
fernando rios
I
os filósofos gregos nos fizeram
“assim”, ocidentais,
cheios de sabedoria e justiça.
os deuses gregos, porém, nos
fizeram “assado”, acidentais, cheios de ódio e rancor. e desejosos de vingança.
conscientes e inconscientes, somos
esta humanidade, cada um de nós, filósofo, deus, gravitando entre perdão,
justiça e vingança.
e muitas vezes, com mais
frequência do que é necessário, somos mais deuses. ficamos divinamente
irados...
uma palavra nos fere, um olhar nos
intimida, um gesto nos elimina. e queremos revidar. por que essa sina? é
humana? é divina?
quanto de raiva, ódio e rancor
experimentamos no dia a dia?
que política é essa de um violento
corpo a corpo?
por que anular o outro e, assim,
se anular?
assim, não dá para viver, não dá
para compartilhar.
é hora de repensarmos essa nossa
divina e nefasta herança grega.
é hora de pacificar. porque
vingança, quase sempre, é sangue, sobre sangue, sobre sangue, sobre sangue...
em 2016, experimente tirar a
vingança do caminho. e, ao contrário da letra da canção, no seu lugar, coloque
um sorriso.
sem ódio, raiva e rancor, fica
muito mais fácil conviver.
ponha o seu sorriso no caminho que
eu quero passar com meu prazer, com meu humano e solidário
calor!
II
quem me feriu?
o quê,
quem me deixou assim?
sangrando à flor da pele
numa hemorragia abissal
e de repente
por dentro e por fora
sou humano animal
racionalmente irascível
e não foi arma branca
nem tiro de fuzil
foram coisas
ou palavras coisas
o que querem de mim?
por que essa cobrança?
e nesta reação
não fico maior nem menor
mas nem me olho no espelho
de onde vem meu rancor?
e antes, bem muito antes
expulso os advogados
dispenso juízes
e já emito a sentença
sequer peço justiça
nem quero que ouçam meu clamor
como deus grego
cego de horror
quero vingança
quem faz de mim deus ou humano?
quem faz de mim herói, covarde ou
ladrão?
quem somos nós? onde estamos nós?
III
estamos
nós todos
vivendo juntos
guerra ou paz?
esta é a guerra
do dia a dia
um olhar incisivo
um gesto assustado
uma palavra áspera
um copo derramado
um virar as costas
um corpo esbarrado
um negar o abraço
um silêncio assustado
no dia a dia
esta é a guerra
IV
mas ainda há o que fazer
há que ter consciência agora
quando, por que
se escolhe a vingança?
essa grega herança
nefasta
cai sobre nossa cabeça
e nos arrasta
como nós,
os deuses gregos se vingam
e nos derramam e nos contaminam
com seus ódios
e nós
incautos terráqueos ocidentais
gregos
não acidentais
repetimos em bravata
e cada ato
se transforma
em guerra num copo de água
ou num raso prato
quem alimenta esse ódio?
quem alimenta essa sina?
de querer sempre
um poder de excluir
um poder de achacar
um poder de diminuir
mesmo que sobre apenas eu
dentro da latrina
quem vai contar essa história
de judeus, negros, árabes,
índios, mulheres, gays.
todos refugiados
dessa imensa humanidade
dessa insanidade humana
mas ainda e sempre
haverá o que fazer
V
mas ainda e sempre
haverá o que fazer
primeiro,
é trocar vingança
por
justiça
esperança
utopia
amor
depois
plantar hortaliças e flores
e espantar clamores
derramados em cemitérios
que abrigam muitas vidas
pegas em flagrante vingança
e que se multiplicam em cadáveres
por ruas e avenidas
mas há que agir,
há que levantar estandartes
manhã tarde noite
e chamar quem quiser
e na multidão
reivindicar
mais justiça
menos vingança
mais esperança
menos vingança
mais utopia
menos vingança
mais amor
menos vingança
e sempre
com a maior convicção
abaixo a vingança
abaixo a vingança
abaixo a vingança
abaixo a vingança
abaixo a vingança
abaixo a vingança
SÃO PAULO, DEZEMBRO.2015
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(*) Referência ao samba A Flor e o Espinho, de Nelson Cavaquinho,
Guilherme De Brito e Alcides Caminha, que começa assim: Tire o seu sorriso
do caminho / Que eu quero passar com a minha dor
NOTA; Um agradecimento especial ao meu amigo Fernando Rios por sua generosidade em me ter facultado a publicação deste poema.
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