Repetição e desejo na saúde mental
Repetição e desejo na saúde mental
Antonio Lancetti, Maria
Rita Kehl e Aldo Zaiden
18/01/2016
A
nomeação do psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho para a Coordenação Nacional
de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, expressa o retorno às tenebrosas
páginas da psiquiatria brasileira.
Quem
poderia esperar que o governo de uma ex-presa política, torturada nos porões da
ditadura, nomearia um dirigente de um dos piores porões da psiquiatria
manicomial para coordenar a política de saúde mental?
Duarte
Filho foi diretor técnico da Casa de Saúde Dr. Eiras, fechada em 2012, por
intervenção federal, depois que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados constatou graves violações de direitos humanos no manicômio.
Desde
os anos 1970, os coordenadores de saúde mental estiveram alinhados com a
reforma psiquiátrica e a OMS (Organização Mundial da Saúde). Por que trocar
precisamente o que funciona melhor em saúde mental?
Sob
a gestão de Roberto Tykanori, foi consolidada a Rede Nacional de Saúde Mental
com 2.200 Centros de Atenção Psicossociais, muitos deles oferecendo
hospitalidade intensiva por 24 horas, articulados a emergências psiquiátricas,
unidades básicas de saúde, residências terapêuticas e outras formas efetivas de
reabilitação.
Foram
inaugurados, pela primeira vez, eficientes programas preventivos ao uso
problemático de drogas, que atraíram a atenção da OMS, Opas (Organização
Pan-Americana da Saúde) e UNODC (órgão das Nações Unidas para drogas e crime).
Nos últimos 25 anos, mais de 60 mil leitos manicomiais no Brasil foram
desativados.
Milhares
de pessoas que apodreciam em hospícios, sujeitas a torturas e maus-tratos,
foram, com enorme trabalho, resgatadas para se beneficiarem de moradias
terapêuticas e outras formas de cuidados, em liberdade. A reforma psiquiátrica
brasileira foi considerada um exemplo pela OMS.
A
impressionante mobilização do movimento da luta antimanicomial no Brasil vem
dando novas provas de sua força desde 14 dezembro, quando foi anunciada a troca
de Tykanori por Duarte Filho. No mesmo dia ocorreram atos contra a nomeação em
600 municípios do país. A sala da Coordenação da Saúde Mental do Ministério da
Saúde foi ocupada por integrantes do movimento.
Na
última quinta (14), uma marcha de mil psicólogos, psiquiatras, enfermeiros,
usuários e familiares protagonizou um belíssimo ato em Brasília. Em 18 de maio
é celebrado o dia da luta antimanicomial. Em 2016, todo dia 18 será dia de luta
contra os manicômios.
Por
onde quer que vá o ministro (Piauí, Alagoas, Rio de Janeiro, Santos, Natal), o
movimento aparece para protestar.
A
Associação de Juízes para a Democracia lançou nota de apoio aos ocupantes do
Ministério da Saúde, milhares de professores universitários assinaram carta de
repúdio e diversas entidades estão se somando ao movimento no Brasil e em
outros países. Professores e personalidades da área psiquiátrica de Reino
Unido, Lisboa, Espanha, Argentina e Índia já se manifestaram.
A
história não se repete só como tragédia ou farsa. Os movimentos libertários de
agora –por melhores escolas, transporte e pelos direitos das mulheres– trazem
uma corrente de ar fresco ao cenário nacional assombrado pelo ódio e pela
desesperança.
Baruch
de Espinosa se perguntava: se o homem nunca experimentou a liberdade, o que é
isso que o faz eternamente lutar por ela? E respondeu: o desejo.
ANTONIO LANCETTI, 66, psicanalista, é
consultor do Programa de Saúde Mental de São Bernardo do Campo. Escreveu
"Clinica Peripatética" (2006)
MARIA RITA KEHL, 63, psicanalista, foi integrante da Comissão Nacional
da Verdade. É autora "Processos Primários" (Estação Liberdade)
ALDO ZAIDEN, 35, psicólogo e mestre em ciências sociais, foi membro do
conselho nacional de política sobre drogas do Ministério da Saúde
FONTE: Aqui
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