"Poema de Outono" - Adão Cruz
Poema de Outono
Ainda caiem a meus pés
bolinhas de sol e pérolas de chuva
do alto da varanda que eu já fui
e fazem brilhar humildemente
a ilusão das cores e a frouxa luz
que há na sombra dos dias.
O poema mais lindo da minha vida
ainda não nasceu.
Sonhei criá-lo hoje contigo
neste princípio de Outono
semente e fruto de teus jovens abraços.
Mas tu caminhavas na outra margem
de rosto escondido atrás da máscara
fugindo do amor banal
olhos baços de chorar sem lágrimas
a alma tão resignada de cruéis memórias
que o beijo ardente se perdeu no rio.
O meu rio
outrora vivo e turbulento
hoje parado e vencido nos braços do
estuário
onde me dizem que ainda há versos
voando perdidos e dispersos
como gaivotas bailando.
Mas o mar ali tão perto tudo engole
nas furiosas ondas do seu ancestral
poder
devorando qualquer poema antes de
nascer.
Que ao menos a réstia de luz do fim da
tarde
mesmo sem bolinhas de sol e pérolas de
chuva
me deixe pintar a memória da emoção
na tela sofrida e nua do teu corpo
deitado sobre a luminosa doçura da
ilusão.
Adão Cruz