Alfa
Esta noite, marido,
esta noite que persiste contudo em
não me cerrar as pálpebras.
Esta noite na qual o teu corpo já
se perdeu
enquanto, tranquilo, agasalhado
na savana,
espera, porventura com terror,
o sinal que te há-de lançar
à vida,
amanhã.
Esta noite que os cães povoam
de latidos
e cruzam, de quando em quando,
os rumores trepidantes
dos automóveis;
esta noite o meu amor por ti
despiu-se das belas roupas,
perdeu exaltações e prazeres,
não encontra grandes palavras,
talvez inúteis,
talvez falsas.
Esta noite sinto-te como
algo opaco,
meu até ao delírio,
como algo imprescindível
e doloroso.
Doloroso no desespero que te sobe
aos olhos,
que te enruga os lábios,
tantas vezes;
doloroso como os teus
punhos cerrados,
voltados para mim,
exigindo algo que eu não te
posso dar.
Doloroso como as tuas ilusões
frustradas,
como os caminhos barrados
que nos tentam
como o acreditarmo-nos inúteis
daquela tarde quando o medo e
a desesperança
nos mordiam.
Esta noite, amor,
sinto-me imprescindível
pela contínua exigência das
tuas mãos.
Agnès Agboton
(Benim, 1960 - )