"O Papalagui" - Erich Scheurmann
Este livro sistematiza uma coleção de discursos de Tuiavii, um chefe aborígene samoano de Tiávea da ilha de Upolu, A ilha de Samoa é um Estado soberano da Polinésia na Oceania. Este chefe descreve
a sua visão sobre o europeu em um período anterior à Primeira Guerra Mundial. O
alemão Erich Scheurmann (1878-1957) conseguiu reunir estes discursos após o
apoio do chefe e traduziu para o alemão em 1920. O Papalagui é um termo samoano que traduzido
literalmente significa o homem
branco, ou, o europeu.
O autor vivera em Samoa durante a primeira guerra
mundial e, segundo conta na introdução do livro, havia conquistado a confiança
de Tuiávii – um chefe nativo local. Este lhe confiara os apontamentos que havia
feito durante uma visita aos países da Europa, no fim do século anterior, e
concordou com sua divulgação. Nas suas observações, ora divertidas, ora
severas – mas invariavelmente justas – fica claro o choque de duas culturas tão
diversas. O olhar de Tuiavii é, ao mesmo tempo inocente e crítico. Vai fundo ao
mostrar os conflitos que surgem quando o respeito à natureza e a simplicidade,
que fazem parte da essência dos nativos, se defrontam com a ânsia pelo
progresso e a maneira complicada de ver e de viver do homem branco.
“O Papalagui nunca está satisfeito com o tempo que tem... Nunca
existe mais tempo do que aquele que vai do nascer ao por do sol e, no entanto,
isto nunca é suficiente para o Papalagui”.
É nítida a
crença de Tuiávii de que o tempo é cíclico. É algo que se renova a cada dia, o
que ele entende como uma dádiva. Não é algo a priori escasso, como vê o
Papalagui. Tuiávii não perde tempo pensando no tempo perdido ou no tempo a
perder. Sabe que isso toma tempo e, principalmente, gera desgaste de energia e
imobiliza.
“Certos Papalaguis dizem que nunca têm tempo: correm feito loucos de um lado
para o outro com se estivessem possuídos pelo aitu (espírito malévolo)”.
O que diria Tuiávii se nos visse, hoje, 90 anos depois, aceleradíssimos,
apertando botões e mais botões e parecendo que falamos sozinhos? E o que é
pior: andando em círculos, pensando que estamos andando para a frente. Por
vezes, tanto esforço para nada. Ou quase.
Acho que está na hora de reaprendermos a ver nosso tempo com olhos de um
Tuiávii. Se o Papalagui não tem tempo é porque insiste em fatiá-lo e
fragmentá-lo, sem perceber o seu todo.
Este é um livro antropológico, por excelência.
Estamos habituados a uma antropologia feita por Ocidentais e aplicada aos chamados
povos “exóticos” (?!), ou seja, é sempre o nosso olhar que constrói “o outro”.
Mas é muito raro, para não dizer quase impossível, ler um texto antropológico que
está na contramão da Antropologia tal como tem sido praticada no Ocidente, ou
seja, o olhar do suposto “selvagem”, do suposto “primitivo” sobre nós, os
supostos “civilizados”. Será que somos tão civilizados assim?
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