quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

"Para o ano que aí vem…" e outros poemas - Maria Teresa Horta




Para o ano que aí vem…



Para o ano que aí vem…


Há sempre um acreditar


maior, levando-nos


na teima a prosseguir


Firmados nas raízes fundadoras


prontas a tecer a ventania


feita de ideais e de porvir


de vontade, de sonho e poesia


Pois existe um voo e um lutar


uma batalha pronta a impedir


a violência, o medo, o proibir


Há sempre um acreditar


maior, levando-nos


na teima a resistir


Exigindo o direito a inventar


um outro futuro a construir


apesar do vender e do roubar


Pois existe uma constância


em desagravo, outros modos


de amar, outra maneira


a fazer da vida um canto aberto


E da liberdade uma bandeira 



Maria Teresa Horta*






Nós mesmas



Nós somos


a liberdade


vamos além de nós


mesmas




Somos aquelas


que voam


não queremos


a violência




…que nos impõe

 
a desgraça

 
nos humilha


e despedaça




Maria Teresa Horta*






Auto-retrato



Eu sou outra em mim mesma

e sou aquela



Sou esta

dançando sobre as lágrimas



Sou o gozo

no gosto de ser espelho

e me faz multiplicar em todo o lado



Eu sou múltipla

veneno em minha veia



Estrangeira

rasgando o seu passado



Sou cruel

dúplice e sedenta

mil vezes morri no desamparo



Eu sou esta que nego

e a outra onde me afirmo

faço nela e naquela o meu retrato



E se na história desta me confirmo

na vida da outra não me traio



Feita de ambas à beira do abismo

sou a mesma mulher nascida em Maio




Maria Teresa Horta


*Maria Teresa Horta, morreu ontem, dia 04/02/2025, aos 87 anos, em Lisboa. Partiu hoje a última das “Três Marias”, uma das maiores referências do Feminismo em Portugal. Partiu hoje uma das Grandes. Feminista, inconformada, ousada, corajosa. A que foi considerada uma das 100 mulheres mais importantes do século a nível mundial. Não é preciso apresentar Maria Teresa Horta. Para além de todo o seu contributo, que para sempre ficará, para a literatura portuguesa, ficará, também lembrada pela sua intervenção política, nomeadamente nos acontecimentos ocorridos após a publicação em Abril de 1972 de “Novas Cartas Portuguesas” (em co-autoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa). Acusado o livro de pornografia e ultraje à moral pública, retirado do mercado, as autoras foram acusadas e levadas a tribunal. Ficará também na história do movimento de luta das mulheres pela igualdade. Acontecia Maria Teresa Horta acordar sobressaltada com a ideia de que a PIDE lhe estava à porta. Tinha que se voltar a surpreender com a recordação do 25 de Abril. “Continua a ser o dia mais feliz da minha vida.” A obra que deixou é imensa, estendendo-se por vários géneros literários.

 


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