"Para o ano que aí vem…" e outros poemas - Maria Teresa Horta
Para o ano que aí vem…
Há sempre um acreditar
maior, levando-nos
na teima a prosseguir
Firmados nas raízes fundadoras
prontas a tecer a ventania
feita de ideais e de porvir
de vontade, de sonho e poesia
Pois existe um voo e um lutar
uma batalha pronta a impedir
a violência, o medo, o proibir
Há sempre um acreditar
maior, levando-nos
na teima a resistir
Exigindo o direito a inventar
um outro futuro a construir
apesar do vender e do roubar
Pois existe uma constância
em desagravo, outros modos
de amar, outra maneira
a fazer da vida um canto aberto
E da liberdade uma bandeira
Nós mesmas
Nós somos
a liberdade
vamos além de nós
mesmas
Somos aquelas
que voam
não queremos
a violência
…que nos impõe
a desgraça
nos humilha
e despedaça
Maria Teresa Horta*
Auto-retrato
Eu sou outra em mim mesma
e sou aquela
Sou esta
dançando sobre as lágrimas
Sou o gozo
no gosto de ser espelho
e me faz multiplicar em todo o lado
Eu sou múltipla
veneno em minha veia
Estrangeira
rasgando o seu passado
Sou cruel
dúplice e sedenta
mil vezes morri no desamparo
Eu sou esta que nego
e a outra onde me afirmo
faço nela e naquela o meu retrato
E se na história desta me confirmo
na vida da outra não me traio
Feita de ambas à beira do abismo
sou a mesma mulher nascida em Maio
Maria Teresa Horta
*Maria Teresa Horta, morreu ontem, dia 04/02/2025, aos 87 anos, em Lisboa. Partiu hoje a última das “Três Marias”, uma das maiores referências do Feminismo em Portugal. Partiu hoje uma das Grandes. Feminista, inconformada, ousada, corajosa. A que foi considerada uma das 100 mulheres mais importantes do século a nível mundial. Não é preciso apresentar Maria Teresa Horta. Para além de todo o seu contributo, que para sempre ficará, para a literatura portuguesa, ficará, também lembrada pela sua intervenção política, nomeadamente nos acontecimentos ocorridos após a publicação em Abril de 1972 de “Novas Cartas Portuguesas” (em co-autoria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa). Acusado o livro de pornografia e ultraje à moral pública, retirado do mercado, as autoras foram acusadas e levadas a tribunal. Ficará também na história do movimento de luta das mulheres pela igualdade. Acontecia Maria Teresa Horta acordar sobressaltada com a ideia de que a PIDE lhe estava à porta. Tinha que se voltar a surpreender com a recordação do 25 de Abril. “Continua a ser o dia mais feliz da minha vida.” A obra que deixou é imensa, estendendo-se por vários géneros literários.
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