sábado, 9 de abril de 2022

"Paisagem pelo telefone" - João Cabral de Melo Neto

 




Paisagem pelo telefone

 

 

 

 

 





 

Sempre que no telefone


me falavas, eu diria


que falavas de uma sala


toda de luz invadida,



 

sala que pelas janelas,


duzentas, se oferecia


a alguma manhã de praia,


mais manhã porque marinha,



 

a alguma manhã de praia


no prumo do meio dia,


meio dia mineral


de uma praia nordestina,



 

Nordeste de Pernambuco,


onde as manhãs são mais limpas,


Pernambuco do Recife,


de Piedade, de Olinda,



 

 

sempre povoado de velas,


brancas, ao sol estendidas,


de jangadas, que são velas


mais brancas porque salinas,



 

 

que, como muros caiados


possuem luz intestina,


pois não é o sol quem as veste


e tampouco as ilumina,



 

mais bem, somente as desveste


de toda sombra ou neblina


deixando que livres brilhem


os cristais que dentro tinham.



 

Pois, assim, no telefone


tua voz me parecia


como se de tal manhã


estivesses envolvida,



 

fresca e clara, como se


telefonasses despida,


ou, se vestida, somente


de roupa de banho, mínima,



 

e que por mínima, pouco


de tua luz própria tira,


e até mais, quando falavas


no telefone, eu diria



 

que estavas de todo nua,


só de teu banho vestida,


que é quando tu estás mais clara


pois a água nada embacia,



 

sim, como sol sobre a cal


seis estrofes mais acima,


a água clara não te acende:


libera a luz que já tinhas.





 

 

João Cabral de Melo Neto

 

 

 



 

 

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