VLADIMIR SAFATLE: A educação pela bala
Vladimir Safatle: A educação pela bala
15/03/2019
Como se não bastasse a tragédia, na sequência há
sempre a infâmia. Depois do massacre perpetrado por dois jovens na escola de Suzano, tivemos de conviver com a declaração de
um senador da República, o senhor Olímpio, a afirmar: "Se os professores estivessem
armados e se os serventes estivessem armados, esta tragédia poderia ser
evitada".
Desculpem-me pelo
uso da primeira pessoa do singular, mas enquanto professor nunca me senti tão
ultrajado por um senhor que se considera político.
Não estamos em
ambiente de ensino para andar armados à espera do próximo massacre. Nem vamos para
curso de tiro como matéria obrigatória de licenciatura. Se o Estado não sabe
como garantir a segurança, que não peça aos professores, essa classe tão
demonizada exatamente por pessoas do porte do senhor Olímpio, que façam o papel
de protagonista de hospício.
Como se vê, no
Brasil, a profissão de professora e professor de escola se transformou no que há
de pior. Tratados como bandidos pelo governo, como doutrinadores perniciosos
pelos que tomaram de assalto o Estado, com salários absurdos, com condições de
trabalho deteriorada, eles agora deverão andar armados para não serem as vítimas
do próximo massacre. Só que com o salário oferecido, fica difícil até comprar
uma arma.
Como sempre ocorre
após massacres dessa natureza, veremos esse espetáculo macabro de pessoas
defendendo o princípio de uma sociedade armada até os dentes, afirmando que
ainda há poucas armas em circulação, que se todos estivessem armados a violência
seria menor.
Aos poucos, eles
querem que mesmo professores estejam armados, enfermeiras, jornalistas,
vizinhos para enfim realizarem seu desejo inconfesso de uma sociedade da
desconfiança generalizada, do medo contínuo, da guerra iminente de todos contra
todos. Pois é assim que se governa.
O desgoverno Bolsonaro não é responsável direto pelo ocorrido, isso é óbvio.
Mas ele é o piromaníaco que entra em uma loja de explosivos com uma tocha. Ele é
aquele que irá multiplicar a circulação de armas em um país que agora terá de
se acostumar com o fato de que pais levarão filhos à escola sem ter a garantia
de que eles não serão a próxima vítima de adolescentes munidos de um arsenal.
O problema é que há
uma parcela da sociedade brasileira que irá com eles para o abismo, levando todos
juntos.
De toda forma, não
deve ser um mero acaso que, no mesmo momento em que nossas escolas viram palcos
de massacre, o Ministério da Educação esteja em processo aberto de decomposição.
Por mais que seja possível ter críticas profundas às políticas educacionais
anteriores, nunca a educação nacional foi tratada de forma tão leviana e
irresponsável.
Tomada pelo delírio
lisérgico da cruzada contra o "marxismo cultural" e a "ideologia
de gênero" como fonte de todos os males, ela vê o desfile de pessoas que
nunca entraram em uma sala de aula passar pelos corredores do ministério e
desaparecerem no ritmo de intrigas palacianas.
Comandada por um senhor que demonstrou toda sua inépcia e
desconhecimento, a educação nacional acostuma-se com o seu desmonte final. Pois
fica claro que, na verdade, ninguém tem plano educacional algum, que as ações
desencontradas ligadas ao ministério parecem sair da cabeça de um bêbado. Nada
minimamente próximo de preparar o país para ser um polo de pesquisa, de formação
crítica.
Mas, como já
dissera anteriormente, isso não deveria nos surpreender. Pois não se trata mais
de governar, ninguém tem a ilusão de governar algo. Até a luta contra a violência
está a ser terceirizada.
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