Para inflar currículos, pesquisadores publicam em revistas caça-níqueis
Para inflar currículos,
pesquisadores publicam em revistas caça-níqueis
GINA
KOLATA
DO "NEW YORK TIMES"
31/10/2017
A
situação pode ser definida como um caso clássico de encontro entre oferta e
procura.
Universidades,
faculdades e até mesmo faculdades locais de licenciatura curta insistem em que
seus professores publiquem pesquisas acadêmicas, e quanto mais publicarem,
melhor. Os acadêmicos, e as instituições em que eles lecionam, dependem dessas
publicações para solidificar suas reputações e, dado o excedente de portadores
de doutorado em busca de empregos nesse mercado, carreiras dependem disso.
A
competição por espaço nas publicações acadêmicas mais importantes é feroz. O
que acontece, assim, com os esforçados professores de universidades menos
prestigiosas e faculdades locais, desprovidas de grandes orçamentos e de
laboratórios de pesquisa avançados? Como eles se viram?
A
resposta é que muitos de seus artigos estão sendo publicados por
"revistas" acadêmicas que aceitam praticamente qualquer coisa para
publicação, por preços que podem chegar às centenas de dólares por texto. Essas
publicações são definidas por muita gente como "revistas predadoras",
sob a suposição de que acadêmicos bem intencionados são iludidos e levados a
publicar seus trabalhos nelas - enganados por e-mails lisonjeiros enviados
pelas publicações ou por nomes semelhantes aos de publicações respeitáveis que
eles conhecem.
Mas
está se tornando cada vez mais claro que muitos acadêmicos sabem exatamente o
que estão fazendo, o que explica a proliferação desse tipo de publicação apesar
das críticas generalizadas que elas recebem. Alguns especialistas afirmam que o
relacionamento não deveria ser comparado ao que existe entre predador e presa,
mas sim a uma nova e feia simbiose.
Muitos
professores universitários - especialmente em instituições nas quais as horas
de ensino são longas e os recursos escassos - se tornaram participantes ávidos
de algo que os especialistas definem como fraude acadêmica, e o processo causa
desperdício de dinheiro dos contribuintes, mina a credibilidade científica e
serve para turvar pesquisas importantes.
"Quando
centenas de milhares de artigos são publicados por revistas predadoras, é
preciso ser muito crédulo para imaginar que todos os autores e as universidades
para as quais eles trabalham são vítimas", escreveu Derek Pyne, professor
de Economia na Universidade Thompson Rivers, no Canadá, em artigo publicado
pelo jornal canadense "Ottawa Citizen".
O
número dessas publicações disparou a mais de 10 mil nos últimos anos, e as
revistas predadoras agora existem em número tão grande quanto o de revistas
acadêmicas legítimas. "A publicação predatória se tornou uma indústria
organizada", escreveu um grupo de críticos da prática em artigo publicado
pela revista "Nature".
Muitas
dessas publicações têm nomes muito parecidos com os de revistas acadêmicas
estabelecidas, o que torna fácil confundi-las. Há um "Journal of Economics
and Finance" publicado pela Springer, uma grande editora do ramo
acadêmico, mas agora também existe um"Journal of Finance and
Economics". Há o "Journal of Engineering Technology", publicado
pela Sociedade Americana de Educação para a Engenharia, mas também o "GSTF
Journal of Engineering Technology".
As
publicações predatórias têm poucas despesas, porque não revisam seriamente os
artigos que lhes são submetidos, e os publicam online. Elas disparam e-mails em
massa a acadêmicos, convidando-os a publicar. E costumam alardear em seus sites
que constam do índice do serviço Google Scholar, que compila publicações
acadêmicas. Isso às vezes procede, mas o Google Scholar não verifica as
credenciais das publicações indexadas.
As
publicações também permitem a operação de um ecossistema mais amplo de
pseudociência. Para um acadêmico que deseje acrescentar credenciais ao seu
currículo, por exemplo, as editoras responsáveis por essas publicações também
promovem eventos nos quais o acadêmico pode ser listado como palestrante –quer
participe do evento, quer não–, por honorários salgados da ordem de centenas de
dólares.
Um
desses eventos, realizado em Nova York em junho por uma organização chamada
Academia Mundial de Ciência, Engenharia e Tecnologia, parecia ser pouco mais
que uma fachada. No site da editora responsável, a convenção prometia ser
grande e suntuosa.
Mas
quando compareci, o único local em que estava sendo realizada era uma pequena
sala sem janelas no sexto andar de um hotel em reforma. Alguns poucos
espectadores estavam presentes, e ouviam diligentemente uma palestra. A maioria
dos acadêmicos que o programa do evento listava como participantes não estava
presente.
Participar
de empreitadas dúbias como essas acarreta poucos riscos. O Dr. Pyne, que fez um
estudo sobre as publicações de seus colegas, reporta que membros do corpo
docente de sua universidade promovidos no ano passado tinham pelo menos quatro
artigos publicados em revistas questionáveis. Nove dos 10 acadêmicos que
receberam bolsas de pesquisa da escola de economia e negócios da Universidade
Thompson Rivers haviam publicado artigos nesse tipo de revista. Um deles tinha
10 artigos publicados em revistas como essas.
O Dr.
Pyne concluiu que acadêmicos terminam recompensados por promoções, ao inflar
seus currículos com artigos como esses. Não há muitas, se alguma, consequências
adversas –de fato, as recompensas por publicar artigos em revistas predadoras
podem ser consideradas como maiores do que as de publicar um artigo em uma
revista legítima.
O Dr.
Pyne não sabe que papel esse tipo de estudo desempenha nas decisões sobre
promoções. Mas, disse, "posso afirmar que esse tipo de publicação não
prejudica as possibilidades de promoção de um estudioso".
As
tensões quanto a esse tipo de trabalho acadêmico explodiram no Queensborough
Community College, que é parte da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY).
Ainda
que a instituição não seja conhecida por sua pesquisa, os administradores do
Queensborough College insistem junto aos professores da faculdade que oferece
cursos de licenciatura curta para que eles publiquem. Recentemente, um grupo de
professores preocupados com a qualidade das pesquisas se queixou de que quase
uma dúzia de colegas haviam publicado artigos repetidamente em pelo menos uma
das revistas acadêmicas dúbias - e que eles haviam sido promovidos e recompensados
por isso.
Apontando
que diversos desses estudos aparentemente dependiam de verbas do governo
federal e do governo municipal, os professores levaram o caso ao vice-reitor de
pesquisa da instituição e alertaram a inspetoria estadual de Nova York para o
que estava acontecendo.
A
instituição encarregou sua bibliotecária, Jeanne Galvin, de responder a
perguntas sobre o caso.
"Da
mesma forma que muitos outros colegas, os membros do corpo docente submetem
seus trabalhos para publicação em diversas revistas, com base em seus critérios
pessoais", ela afirmou em e-mail. "O Queensborough oferece diversos
recursos consultivos, tais como oficinas e sessões individuais de
aconselhamento com bibliotecários especializados. As pesquisas publicadas por
nosso corpo docente que eu li são da mais alta qualidade".
Há
quem diga que boa parte da culpa pela ascensão das publicações predatórias cabe
ao sistema acadêmico, que exige publicações até mesmo dos professores de
instituições sem recursos reais de pesquisa, e que dispõem de pouco tempo de
sobra para qualquer outra coisa que não lecionar.
No
Queensborough, os professores tipicamente lecionam nove cursos por ano. Nas
faculdades que oferecem cursos de quatro anos, os professores lecionam de
quatro a seis cursos por ano.
Mas
"todas as universidades requerem determinado número de artigos
publicados", disse Lawrence DiPaolo, vice-presidente de assuntos
acadêmicos da Neumann University, em Aston, Pensilvânia.
Recentemente,
um grupo de pesquisadores inventou uma falsa acadêmica, a Dra. Anna O. Szust. A
palavra "Szust" quer dizer "fraudadora", em polonês. A Dra
Szust enviou seu currículo a publicações acadêmicas legítimas e predatórias,
solicitando um posto como editora. O currículo incluía publicações e diplomas
completamente falsos, assim como eram falsos os nomes das editoras de livros
para os quais ela afirmava ter contribuído.
As
publicações legítimas rejeitaram sua candidatura imediatamente. Mas 48 das 360
publicações predatórias a aceitaram como editora. Quatro delas fizeram de Szust
sua editora chefe. Uma das publicações lhe enviou um e-mail dizendo que "é
um prazer para nós adicionar seu nome ao expediente da revista como editora
chefe, sem quaisquer responsabilidades".
A
pesquisadora que liderou a operação da Dra. Fraude, Katarzyna Pisanski,
psicóloga da Universidade de Sussex, na Inglaterra, disse que a questão do que
motiva as pessoas a publicar em revistas como essas é "um assunto
delicado".
"Se
você foi iludido por uma mensagem de spam, dificilmente vai querer admitir o
fato, e se você publicou trabalhos deliberadamente [nessas revistas] para
elevar o número de trabalhos publicados, talvez tampouco deseje
admiti-lo", ela afirmou em e-mail.
As
consequências de participar podem ser bem mais sérias do que apenas um
currículo maculado por artigos e eventos acadêmicos de baixa qualidade. Os
artigos publicados se tornam parte da literatura científica.
Existem
indicações de que algumas instituições acadêmicas estão começando a levar em
conta os perigos.
Dewayne
Fox, professor associado de estudos da pesca na Universidade Estadual do
Delaware, é parte de um comitê que revisa os currículos de candidatos a emprego
em sua instituição. Um candidato recente, ele recordou, mencionou 50 artigos
publicados por revistas desse tipo, e faz parte do conselho editorial de
algumas delas.
Alguns
anos atrás, ele disse, ninguém teria percebido. Mas agora, ele e outros
integrantes de comitês de seleção em sua universidade começaram a esquadrinhar
essas publicações com mais atenção, para determinar se são legítimas.
"Se
algo for publicado por uma dessas revistas, e se o artigo for um completo lixo,
a publicação pode levá-lo a ganhar vida própria", disse o Dr. Fox.
"Pense
sobre a medicina humana, e sobre tudo que está em jogo. Quando as pessoas
publicam alguma coisa não replicável, isso pode ter impacto sobre a
saúde", ele afirmou.
Tradução
de PAULO MIGLIACCI
Fonte: Aqui
0 comentários:
Postar um comentário