terça-feira, 14 de novembro de 2017

Esclavagistas


A acusação contra o Padre António Vieira de ter sido esclavagista é apenas uma das manifestações de um entendimento enviesado, parcelar e anacrónico da história que tem vindo a ganhar voga. 
Para ler o texto completo de José Carlos Fernandes clique aqui

O texto "Esclavagismo", aparentemente inovador acaba, na essência, por suavizar a escravatura promovida pelos europeus. Com perspicácia, o leitor Paulo Alexandre aponta onde residem alguns "esquecimentos" ou equívocos do autor do artigo, nomeadamente o que diz respeito ao fato de, ao contrário de outros esclavagismos ao longo da Hitória, o esclavagismo europeu ter operado em condições de produção "industrial", numa terrível escala intensiva, portanto, mais odiosa aos olhos de pessoas sensíveis. Leia abaixo o comentário de Paulo Alexandre:


Parabéns, antes de mais, pela excelência do texto apresentado. Embora uma parte muito significativa da informação referida não seja uma novidade para mim, alguns aspectos particulares e algumas notas sobre determinados contextos são particularmente interessantes.
Sobre a questão das reivindicações de justiça e do pedido de indemnizações é óbvio que não podemos seguir lógicas de responsabilização intergeracional, ainda para mais quando estamos a falar de actos praticados há séculos e por regimes políticos / sistemas económicos que deixaram de existir. A maior de todas as gratificações que pode ser dada à memória de todos quantos foram submetidos à escravatura é o compromisso inab alável de jamais voltar a recorrer a semelhante barbaridade. O pedido de indemnizações não faz sentido a esta distância temporal. Quando muito, fará sentido nos casos em que os tribunais se possam pronunciar sobre factos ocorridos nas últimas décadas e passíveis de serem julgados à luz do Estado de Direito. Em algum momento este tipo de coisas tem de prescrever aos olhos da justiça. Não pode prescrever, isso sim, aos olhos da ética, para que nunca mais existam seres humanos proprietários de outros seres humanos.
Importa referir, também, que a maior iniquidade atribuída ao esclavagismo europeu pode decorrer de vários aspectos históricos: por um lado, esse esclavagismo foi (e)levado à condição de produção "industrial"; ou seja, o europeu conseguiu transformar o comércio esclavagista numa actividade económica intensiva e, como tal, mais odiosa aos olhos de pessoas sensíveis pelas dimensões que pode ter alcançado. Por outro lado, essa "industrialização" do esclavagismo ocorre em sociedades progressivamente letradas e burocráticas, pelo que tudo é tendencialmente documentado e registado, ao contrário do que pode ter sucedido noutras circunstâncias. Assim, não tendo sido o esclavagismo europeu mais expressivo do que o levado a cabo noutras paragens e noutras épocas (os impérios romano, chinês, persa, azteca e mogol, entre outros, escravizaram milhões de seres humanos), ocorreu num período histórico em que se desenvolveu progressivamente uma consciência contrária ao mesmo.
No fundo, lidamos com duas posições anti-éticas próprias da mente pré-moderna. Quer a noção de que o ser humano pode ser proprietário de outros seres humanos, quer a noção de que os descendentes de um criminoso devem ser julgados e responsabilizados pelos actos do seu antepassado, são concepções intrinsecamente pré-modernas e típicas de uma mentalidade humana incapaz de raciocinar segundo lógicas universais. Não é por mero acaso que, na esfera rel igiosa, encontramos a apologia directa e descarada destas duas posições. Como produto pré-moderno, arcaico e mesmo pré-histórico que é, a religião foi um dos principais instrumentos de legitimação deste tipo de lógicas anti-éticas. Se observarmos bem, hoje mesmo perduram este tipo de lógicas, existindo milhões de pessoas convencidas de que não são totalmente livres e donas do seu destino (são uma propriedade de um criador) ou ainda de que, quando nascemos, somos responsáveis e culpados por actos supostamente praticados por antepassados distantes.
Não fossem as grandes revoluções modernas e ainda estaríamos significativamente dependentes de lógicas contrárias aos mais básicos princípios éticos.

0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP