quarta-feira, 12 de julho de 2023

"Poema da Auto-estrada" - António Gedeão

 




Poema da Auto-estrada

 




Voando vai para a praia


Leonor na estrada preta.


Vai na brasa, de lambreta.




Leva calções de pirata,


Vermelho de alizarina,


modelando a coxa fina


de impaciente nervura.


Como guache lustroso,


amarelo de indantreno,


blusinha de terileno


desfraldada na cintura.




Fuge, fuge, Leonoreta.


Vai na brasa, de lambreta.



Agarrada ao companheiro


na volúpia da escapada


pincha no banco traseiro


em cada volta da estrada.


Grita de medo fingido,


que o receio não é com ela,


mas por amor e cautela


abraça-o pela cintura.


Vai ditosa, e bem segura.




Como um rasgão na paisagem


corta a lambreta afiada,


engole as bermas da estrada


e a rumorosa folhagem.


Urrando, estremece a terra,


bramir de rinoceronte,


enfia pelo horizonte


como um punhal que se enterra.


Tudo foge à sua volta,


o céu, as nuvens, as casas,


e com os bramidos que solta


lembra um demónio com asas.




Na confusão dos sentidos


já nem percebe, Leonor,


se o que lhe chega aos ouvidos


são ecos de amor perdidos


se os rugidos do motor.




Fuge, fuge, Leonoreta.


Vai na brasa, de lambreta.




António Gedeão

 


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