domingo, 3 de setembro de 2017

O contagiante pop tropical de Felipe Cordeiro


Quem diria que um fio dental de croché seria tão importante para a história do Pará, principal estado do Norte. Quando o Mestre Vieira lançou o Lambadas das Quebradas em 1978, com a mítica capa da bunda bronzeada, criou o gênero da “guitarrada” dentro da música regional mais desacreditada do país, e alguns entendidos defendem ainda que o álbum pode ser também apontado como o criador da “lambada”, outro estilo proeminente da região. Hoje, a guitarrada e lambada são as armas favoritas de Felipe Cordeiro, o músico paraense que conseguiu desconstruir o elemento piroso e apimentar com uma sensibilidade indie, sempre nas temperaturas altíssimas de quem usa sem medo um fio dental de croché. “O traço que melhor define o som do Pará é o calor, uma estética do calor, dançante e pulsante”. O calor em Belém do Pará é muito mais do que mero recurso metafórico, não é incomum superar os 40 graus, e talvez por essa afinidade caliente, o som do caribe sempre foi a grande preferência da população. “A música de traço caribenho, que historicamente se desenvolveu a partir do diálogo com países como Guiana Francesa, Martinica, Guadalupe, Colômbia, Peru, etc. é a cena que tem se afirmado com mais força”, confirma Felipe, “e o carimbó, ritmo local de origem afro-indígena, é a grande matriz do estado do Pará”. Para entender a cultura musical da região é fundamental definir a palavra “brega”. “Brega é um substantivo, uma estética, uma dança, não é entendido no Pará como um adjetivo, ou seja, como juízo de valor”, explica Felipe, lembrando como a indústria musical do Sudeste batizou o estilo “brega” com objetivo claro de fazer um juízo de valor. O brega e o brega pop, popularizado no mundo pela Banda Calypso, acabou por abraçar uma nova cultura techno, possibilitada pela compra massiva na região de teclados com música programada. “A rigor, o technobrega é um brega eletrônico, e o brega no Pará é um ritmo”, define o músico sobre o estilo que levaria finalmente a região a ter uma cultura totalmente autoral, e tão bizarra e fascinante como o fio dental de croché. Em bailes espalhados pela cidade de Belém, os DJs decidiram criar instalações retro futuristas com montanhas de colunas de som, popularizando esses eventos como “festas da aparelhagem”. São três mil quilômetros que separam Belém de São Paulo, distância mais do que suficiente para obrigar os músicos a criar seu próprio refúgio de produção independente. “No Norte as coisas são ainda mais independentes, se você quiser trabalhar pra conquistar o país inteiro precisar ultrapassar a barreira regional”, diz-nos, acrescentando no entanto que “hoje em dia a produção musical do Pará se afirmou como uma das cenas mais criativas, originais e vigorosas do país, então agora está todo mundo de olho”. “Fazer música no Brasil é também um exercício permanente de descolonização, creio que a música popular brasileira tem essa função”, reflete Felipe, para lembrar como este país respeita a tradição musical e a transforma livremente, sem estar particularmente preocupado se o resultado ficou foleiro, ou se tem valor crítico. E agora vamos ao intérprete e à sua música. (Entrevista a Luis Freitas Branco do “Observador” – 03/09/2017 aqui).

Assista à interpretação de “Problema Seu” na voz de Felipe Cordeiro clicando aqui

Assista à interpretação de “Fim de Festa” clicando aqui

Assista à interpretação de “Legal e ilegal” clicando aqui

Assista à interpretação de “Tarja preta” clicando aqui




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