O contagiante pop tropical de Felipe Cordeiro
Quem diria que um fio dental de croché seria tão importante
para a história do Pará, principal estado do Norte. Quando o Mestre Vieira
lançou o Lambadas das Quebradas em 1978, com a mítica capa da bunda
bronzeada, criou o gênero da “guitarrada” dentro da música regional mais
desacreditada do país, e alguns entendidos defendem ainda que o álbum pode ser
também apontado como o criador da “lambada”, outro estilo proeminente da região. Hoje, a guitarrada e lambada são as armas favoritas de Felipe
Cordeiro, o músico paraense que conseguiu desconstruir o elemento piroso e
apimentar com uma sensibilidade indie, sempre nas temperaturas altíssimas de
quem usa sem medo um fio dental de croché. “O traço que melhor define o som
do Pará é o calor, uma estética do calor, dançante e pulsante”. O calor em
Belém do Pará é muito mais do que mero recurso metafórico, não é incomum
superar os 40 graus, e talvez por essa afinidade caliente, o som do caribe
sempre foi a grande preferência da população. “A música de traço caribenho,
que historicamente se desenvolveu a partir do diálogo com países como Guiana
Francesa, Martinica, Guadalupe, Colômbia, Peru, etc. é a cena que tem se
afirmado com mais força”, confirma Felipe, “e o carimbó, ritmo local de
origem afro-indígena, é a grande matriz do estado do Pará”. Para entender a cultura musical da região é
fundamental definir a palavra “brega”. “Brega é um substantivo, uma estética,
uma dança, não é entendido no Pará como um adjetivo, ou seja, como juízo de
valor”, explica Felipe, lembrando como a indústria musical do Sudeste batizou o
estilo “brega” com objetivo claro de fazer um juízo de valor. O brega e o brega
pop, popularizado no mundo pela Banda Calypso, acabou por abraçar uma nova
cultura techno, possibilitada pela compra massiva na região de teclados com
música programada. “A rigor, o technobrega é um brega eletrônico, e o brega no
Pará é um ritmo”, define o músico sobre o estilo que levaria finalmente a
região a ter uma cultura totalmente autoral, e tão bizarra e fascinante como o
fio dental de croché. Em bailes espalhados pela cidade de Belém, os DJs
decidiram criar instalações retro futuristas com montanhas de colunas de som,
popularizando esses eventos como “festas da aparelhagem”. São três mil
quilômetros que separam Belém de São Paulo, distância mais do que suficiente
para obrigar os músicos a criar seu próprio refúgio de produção independente. “No
Norte as coisas são ainda mais independentes, se você quiser trabalhar pra
conquistar o país inteiro precisar ultrapassar a barreira regional”, diz-nos,
acrescentando no entanto que “hoje em dia a produção musical do Pará se
afirmou como uma das cenas mais criativas, originais e vigorosas do país, então
agora está todo mundo de olho”. “Fazer música no Brasil é também um
exercício permanente de descolonização, creio que a música popular brasileira
tem essa função”, reflete Felipe, para lembrar como este país respeita a
tradição musical e a transforma livremente, sem estar particularmente
preocupado se o resultado ficou foleiro, ou se tem valor crítico. E agora vamos
ao intérprete e à sua música. (Entrevista a Luis Freitas Branco do “Observador”
– 03/09/2017 aqui).
Assista à
interpretação de “Problema Seu” na voz de Felipe Cordeiro clicando aqui
Assista à
interpretação de “Fim de Festa” clicando aqui
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