quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Ciência, pseudociência e dragões


Ciência, pseudociência e dragões



Em seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, Carl Sagan busca explicar essa diferença crucial entre a ciência e a pseudociência. E, para isso, ele propõe uma brincadeira. Imagine que um amigo seu lhe diga que existe um dragão morando em sua garagem. Você certamente vai querer conferir. Então você segue seu amigo até a casa dele e não vê nada.
“Onde está o dragão?”
“Ah, esqueci de dizer”, explica o amigo, “trata-se de um dragão invisível”.
Você então propõe espalhar farinha no chão para visualizar as pegadas do dragão. Mas não daria certo porque ele flutua. Que tal então usar infravermelho para detectar o calor do fogo do dragão? Também não daria certo, porque o fogo do dragão é desprovido de calor. E se jogarmos tinta aleatoriamente pelo ar, e aí acertamos uma parte do dragão? Seria uma boa ideia, se o dragão não fosse incorpóreo, então a tinta não vai pegar.
Você pensou em várias maneiras de TESTAR a hipótese do seu amigo de que existe um dragão na garagem. Se você fosse incapaz de REFUTAR essa hipótese com os seus testes, você teria evidências da existência do dragão. Mas, do jeito como lhe foi apresentado o problema, você não consegue nem sequer fazer os testes. A hipótese do seu amigo não é FALSEÁVEL. Lembra da explicação do método científico de Karl Popper? Aquele dos gansos?
A ciência funciona assim. O método científico consiste em testar hipóteses. Os testes são feitos para tentar falsear a hipótese, ou seja, para tentar negá-la. Se for impossível negar a hipótese (lembra do exemplo da pizza?), a ciência aceita que essa hipótese é verdadeira. Pelo menos até que alguém seja capaz de refutá-la. Se isso acontecer, a hipótese deixa de ser verdadeira, e torna-se necessário buscar outra hipótese. A ciência não é um conjunto de informações, como geralmente as pessoas pensam. A ciência é uma maneira de pensar. A ciência precisa do ceticismo e do pensamento crítico para buscar os fatos e a verdade. E, ao contrário do que se imagina, o cientista tem perfeita consciência de não saber a verdade absoluta. Ele sabe ter a melhor hipótese naquele momento. E é justamente essa consciência que faz com que a ciência e o método científico sejam confiáveis para testar se algo funciona ou não.
Para testar um medicamento novo, por exemplo, um novo antibiótico, você precisa partir de uma observação. Imagine que, ao trabalhar com bactérias, você percebe que o composto X mata uma boa parte delas. O composto X parece um bom candidato a antibiótico. Mas ele precisa ser testado. O próximo passo é testar o composto X em uma cultura de bactérias. Você coloca o composto em um tubo de cultura com bactérias, e elas morrem. Legal, tudo indica que você acertou. Mas isso ainda não é suficiente. Você precisa pensar em mais testes para NEGAR sua hipótese. E se as bactérias morreram por causa de algum outro componente do meio de cultura onde elas estavam?
Você testa novamente o composto X, e desta vez você faz um tubo controle. Seu controle terá todos os componentes necessários para o meio de cultura da bactéria, MENOS o composto X. Se elas morrerem mesmo assim, então não é o X que mata as bactérias e sua hipótese foi negada. Mas as bactérias cultivadas sem o X sobreviveram. Ótimo, vamos pensar em mais um teste. Você sabe que essa bactéria é letal em ratos. Vamos inocular os ratos com a bactéria, e trata-los com o X. Se eles morrerem mesmo assim, o X não funciona.
Os ratos sobreviveram. Mas isso não basta para confirmar a hipótese. E se os ratos sobreviveram por algum outro motivo? Precisamos de outro controle. Vamos dividir os ratos em dois grupos. Só um grupo de ratos vai receber o X. O outro vai receber um líquido similar, mas sem o composto X. Após o experimento, você vê que os ratos que tomaram o composto X sobreviveram e TODOS os outros morreram. A ÚNICA diferença entre os ratos que sobreviveram e os ratos que morreram foi o composto X. Agora sim, você tentou refutar sua hipótese de várias maneiras e ela resistiu. O composto X é muito provavelmente um antibiótico. UFA! Exaustivo, não? Mas é assim que se faz ciência.
Vamos voltar ao dragão, e aplicar nele o método científico. Vamos supor que fosse possível detectar as pegadas do dragão. Ou seu fogo. Em outras garagens, a mesma técnica de espalhar farinha e usar raios infravermelhos detectaria outros dragões. Esses experimentos seriam reproduzíveis por qualquer pessoa. No mundo todo, cientistas usariam farinha e raios infravermelhos para detectar dragões. Garagens desprovidas de dragões seriam usadas como grupo controle. Nestes casos, a farinha e o infravermelho seriam incapazes de detectar qualquer sinal, pois nessas garagens sabidamente não haveria dragões. Seria possível detectar dragões onde havia evidências de sua presença, e seria impossível detectar dragões em garagens onde eles certamente não estariam presentes. Teríamos, então, evidências suficientes para dizer que sim, existem dragões nas garagens de algumas pessoas, e poderíamos descobrir em quais garagens eles estão.
Mas se o dragão é invisível, não emite calor e é incorpóreo, a hipótese não pode ser testada. Você precisa simplesmente acreditar que o dragão existe. Assim funcionam as crenças religiosas e as pseudociências. A diferença é que as crenças religiosas – pelo menos a maioria delas – admitem que são movidas pela fé. Elas admitem que são crenças. Não tentam enganar nem iludir os seus fiéis dizendo que podem provar cientificamente a existência de Deus, aparições de santos ou milagres. A pseudociência, no entanto, finge-se de ciência para enganar o público. Utiliza a linguagem da ciência e busca o endosso dos cientistas para vender uma ideia, um produto ou um serviço. Algumas são inócuas, como a astrologia. Que mal faz olhar o horóscopo? Quem pratica a astrologia não está fazendo mal a ninguém. Mas as pessoas têm o direito de saber que astrologia não é ciência. O mesmo ocorre com a medicina alternativa, homeopatia, uso de cristais terapêuticos, florais, cura pelas mãos, reiki, energias curativas e afins. Todas essas práticas são pseudociências, e algumas delas são tão difundidas que vão ganhar um post próprio. E nem todas são inofensivas para a sociedade. Nos próximos posts, vou abordar a prática da astrologia, homeopatia e acupuntura. E falarei também do efeito placebo.
Não pretendo criticar nem condenar as pessoas que adotam essas práticas. Defendo a liberdade de cada um de acreditar no que bem entender e usar aquilo que lhe convier, desde que não cause danos a ninguém. Pretendo simplesmente demonstrar que não são práticas científicas. Não podem ser explicadas pela ciência, ou abordadas pelo método científico. Pode até ser que funcionem. Mas não são ciência, não se encaixam no método científico e não são reproduzíveis. Portanto não podem se valer do endosso da ciência para comprovar sua suposta eficácia.
Até hoje, não se conseguiu provar pelo método científico que essas práticas funcionam. Também não se pode provar que não funcionam. Elas são como o dragão na garagem. Eu não posso provar que ele NÃO existe. Assim como não posso provar que Papai Noel não existe. Eu posso apenas apontar as MUITAS evidências em contrário. E também posso indagar, assim como Carl Sagan, qual seria a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo e que não emite calor, e um dragão inexistente?
Admito que há coisas que a ciência não explica. O fato de eu ter tomado sete xícaras de café para escrever este post e ser perfeitamente capaz de ir dormir em seguida – apesar de a cafeína ser comprovadamente um estimulante – é um exemplo. Mas certamente o fato de a ciência não conseguir explicar certos fenômenos não lhes confere credibilidade.
FONTE: Aqui

Leia "Pseudociência: Um dragão em minha garagem" de Leonardo Koerich clicando aqui

Para assistir ao vídeo "Ciência e pseudociência: "Aqui há dragões - introdução ao pensamento crítico" clique aqui

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