"Perfumados prados do meu peito" - Walt Whitman
Perfumados prados do meu peito
Perfumados prados do meu peito,
Colho as vossas folhas, escrevo, para
melhor as estudar depois,
Folhas dos túmulos, folhas do corpo
crescendo sobre mim, sobre a morte,
Raízes vivas, altas folhas, oh o
inverno não vos enregelará, delicadas folhas.
De novo floresceis todos os anos, de
novo saindo do vosso retiro;
Eu não sei se muitos ao passar vos hão-de descobrir ou aspirar tão
suave aroma, mas sei que alguns o farão;
Oh delicadas folhas! Flores do meu
sangue! Falai à vossa maneira do coração
que por baixo tendes,
Eu não sei qual o vosso subterrâneo
sentido, não sois a felicidade,
Sois muitas vezes tão cruéis que não
vos posso suportar, queimais-me e feris-me,
E, todavia, que bela sois aos meus
olhos, raízes levemente coloridas, fazendo-me
pensar na morte,
A julgar por vós a morte é bela,
(enfim, que haverá de mais belo senão a morte
e o amor?),
Oh creio que não é em louvor da vida
que aqui canto o meu canto de amantes,
creio que é em louvor da morte,
Pois, como é sereno, como floresce
solenemente ao elevar-se à atmosfera
dos amantes!
Vida ou morte, tanto me faz, a minha
alma recusa-se a escolher,
(Talvez a alma sublime dos amantes
prefira a morte),
Na verdade, ó morte, penso que estas
folhas significam o mesmo que tu,
Crescei, doces folhas, para que vos
possa ver! Crescei sobre o meu peito!
Abandonai o coração que aí se oculta!
Não vos enredeis, tímidas folhas, em
vossas rosadas raízes!
Não vos quedeis aí, envergonhadas,
ervas do meu peito!
Vinde, estou decidido a desnudar este
amplo peito, tanto tempo o reprimi
e sufoquei;
Emblemáticas e caprichosas folhas,
deixo-vos, pois já não me sois úteis,
Sem rodeios direi o que tenho a
dizer,
Só a mim e aos companheiros hei-de
cantar, jamais atenderei outra voz que
não a sua,
Despertarei ecos imortais em todos os
estados do meu país,
Aos amantes darei um exemplo que seja
para sempre forma e vontade em todos
os estados do meu país,
Pronunciarei as palavras que exaltem
a morte,
Dá-me então a tua música, ó morte,
para estarmos em harmonia,
Dá-te a mim porque agora sei que
acima de tudo me pertences e que tu e o amor
estão inseparavelmente unidos,
Não permitirei que me enganes mais
com isso a que chamava vida,
Porque enfim compreendo que és os
conteúdos essenciais,
Que, por qualquer razão, te escondes
nestas mutáveis formas de vida, e que
elas existem sobretudo para ti,
Que, para além delas, surges e
permaneces, tu, realidade real,
Que, sob a máscara das coisas
materiais, aguardas pacientemente, não importa
quanto tempo,
Que, talvez um dia, tudo dominarás,
Que talvez dissipes todo este imenso
desfile de aparências,
Que talvez seja para ti que tudo
existe mas não perdura,
Mas tu perdurarás.
Walt Whitman
0 comentários:
Postar um comentário