Semiárido cearense tem escolas públicas com nível de países ricos
Semiárido cearense tem escolas públicas
com nível de países ricos
FÁBIO TAKAHASHI
ENVIADO ESPECIAL A SOBRAL (CE)
12/11/2015
Os alunos da escola Massilon Sabóia moram em assentamentos ou em
pequenos vilarejos do semiárido cearense. É no colégio onde muitos fazem as principais
refeições, devido à baixa renda familiar. Mas é ali também onde eles conseguem
resultados que chamam a atenção do meio educacional do país ao ultrapassarem o
nível de aprendizagem de nações ricas.
A escola faz parte da rede municipal de Sobral,
cidade de 200 mil habitantes, a 230 km de Fortaleza. Seus 31 colégios com
resultados divulgados na última avaliação do governo federal, o Ideb, tiveram
notas entre 6,9 e 9 na primeira etapa do ensino fundamental, em escala de 0 a
10.
Nessa métrica, a média dos países desenvolvidos estaria em 6, algo
equivalente à educação no Reino Unido. A Massilon Sabóia, a mais distante do
centro de Sobral, teve 8. A avaliação considera notas em português e matemática
e taxa de estudantes aprovados.
Em outra avaliação, divulgada neste mês, o município apareceu como
o melhor do país em oportunidade de educação, que considera resultados das
provas, percentual de estudantes matriculados e condições das redes (como
escolaridade dos professores e experiência dos diretores).
AS AÇÕES
Para se chegar a esses resultados, o município implementou
política calcada em definição clara do que deve ser ensinado dia a dia,
bonificação por resultado e autonomia a diretores (escolhidos em concursos
abertos, até para quem é de fora do Estado).
As escolas são bem conservadas, mas sem luxo. A base das aulas é o
tradicional lousas-carteiras-apostilas-livros.
"Nossa preocupação é com o arroz com feijão bem feito, sem
pedagogês que não dá resultado", afirma o prefeito da cidade, Veveu Arruda
(PT).
Os estudantes passam por uma bateria de avaliações. Além das
provas aplicadas pelos próprios colégios, que são no mínimo mensais, são feitas
semestralmente avaliações do município, com equipes de fora do colégio. Também
há os exames dos governos estadual e federal.
O sistema visa, de um lado, indicar os alunos que estão com
dificuldades. Estes passam a frequentar atividades fora do horário normal de
aula, até entrarem no ritmo.
De outro lado, os resultados norteiam a remuneração extra que
professores e diretores podem receber. No caso dos docentes o valor chega a R$
500 mensais (o salário-base da categoria é de R$ 2.000; a população ganha em
média perto de R$ 1.300 mensais). Também há prêmios pagos uma vez ao ano.
"A gratificação por desempenho é o que alimenta a vontade de
continuar melhorando", afirma o diretor Osmarino Portela Ribeiro, da
escola Elpídio Ribeiro da Silva, que teve o melhor desempenho do município
(nota 9).
No colégio, os estudantes do 5º ano do fundamental já chegaram ao
desempenho esperado para os do 9º ano em português e matemática.
Outra política da rede elogiado por Ribeiro é a de deixar aos
diretores a prerrogativa de montar o quadro de professores. Ao fim de cada ano,
eles podem retirar os que não estão rendendo (na rede pública em São Paulo, são
os docentes que escolhem onde querem lecionar). "É bom, dá pressão",
diz o diretor.
A Folha conversou com pais que colocaram o
filho no colégio depois de passarem por escolas particulares de Fortaleza e de
São Paulo.
"Aqui ela se desenvolve melhor", afirma o comerciante
Francisco da Costa, 44, que morava na capital cearense e se mudou em 2013.
Mesma opinião tem a podóloga Ana Lúcia Pitanga, 44, cujo filho de
sete anos tem autismo leve. "Ele só se alfabetizou aqui." Eles
chegaram da capital paulista neste ano.
CONTRAPONTO
Se por um lado essa política educacional —iniciada na gestão do
então prefeito Cid Gomes (1997-2005)— apresenta bons resultados em avaliações,
por outro desperta debate acadêmico.
Um dos céticos é o diretor da Faculdade de Educação da Unicamp,
Luiz Carlos de Freitas. "São políticas de voo de galinha. Focam no índice
a ser obtido e constrangem as escolas a caminharem nesta direção. Estreitam o
currículo em função do índice das disciplinas medidas", afirma.
Boa parte do material pedagógico utilizado em Sobral tem como base
a Prova Brasil, que compõe o Ideb. "É claro que se você 'ensinar para a
prova', a nota vai subir. Educar, no entanto, é diferente de treinar",
completa.
Já Ilona Becskeházy, que estuda o caso de Sobral em seu doutorado
na USP, diz que o município faz um "trabalho árduo", que poderia ser
estendido a outras redes.
Como empecilho para a disseminação, ela aponta a lógica da
"compensação política". Mesmo Sobral sofria do problema, antes da
reforma. "Havia diretora analfabeta, que assinava com o dedo. Estava ali
porque era cabo eleitoral", diz o prefeito.
RECURSOS
Para atingir todos os objetivos, a prefeitura gasta 30% do seu
Orçamento com educação, pouco acima do exigido pela Constituição (25%).
Recursos adicionais vêm de parcerias com fundações e governos estadual e
federal.
Parte do material pedagógico é feito pela rede, parte por empresa
terceirizada. Em comum há a determinação do que deve ser ensinado a todos,
diariamente.
No caso da professora Daniele Mesquita, 23, da escola Massilon
Sabóia, a missão na manhã do último dia 6 era aprimorar coesão, coerência e
concisão nos textos dos estudantes do 5º ano.
"Corremos, mas conseguimos", disse, ao fim das quatro
horas de aula.
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SOBRAL
População: 201.756
Nota no Ideb (2013):
> Rede estadual: não tem
> Rede municipal: 7,8 (4ª série/5º ano); 5,8 (8ª série/ 9º ano)
Orçamento (2015): R$ 574 milhões
> % para educação: 30%
Atividade econômica: Indústria e comércio
FONTE: Aqui
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