O terrível custo sobre o qual ninguém fala de ter um doutorado
O terrível custo sobre o qual ninguém fala
de ter um doutorado
Jennifer
Walker
Uma noite, no terceiro ano do meu doutorado, eu sentei na minha cama
com um pacote de tranquilizantes e uma garrafa de vodka. Joguei algumas pílulas
para dentro da boca e dei um golão na garrafa, sentindo tudo queimar na minha
garganta. Momentos depois, eu percebi que estava cometendo um erro terrível. Eu
parei, tremendo, enquanto eu me dava conta do que quase havia feito. Eu liguei
para uma amiga e a encontrei num bar no meio do caminho entre as nossas casas.
Aquela noite mudou as coisas para nós duas. Ela conheceu o amor da sua vida — o bartender, com quem se casou mais tarde.
E eu decidi que eu queria viver. Na manhã seguinte, encontrei um terapeuta e
considerei largar o doutorado.
Todos sabem que ter um doutorado é difícil. É pra ser. Alguns até dizem
que se você não fica acordado à noite toda trabalhando ou não pula refeições,
você está fazendo errado. Mas enquanto os alunos do doutorado não são tão
ingênuos a ponto de esperar que isso seja um passeio, há um custo para essa
empreitada sobre o qual ninguém fala: o psicológico.
Os dias que eu passei perseguindo meu doutorado em física foram dos
meus piores. Não eram os desafios intelectuais ou a carga de trabalho que me
deixavam pra baixo: era minha saúde mental deteriorando. Eu me sentia desamparada,
isolada e à deriva em um mar de incertezas. Ataques de ansiedade se tornaram
parte do meu dia a dia. Eu bebia e me cortava. Às vezes, eu pensava que queria
morrer.
Eu poderia não ter me sentido tão sozinha se eu tivesse sabido quantas pessoas sofrem com questões de saúde mental na academia.
Um estudo de 2015 da Universidade Berkeley da Califórnia descobriu que 47 % dos alunos de pós-graduação sofrem de depressão,
seguindo um estudo anterior, de 2005, que mostrava que 10% cogitava
suicídio. Um estudo australiano de 2003 descobriu que as taxas
de doenças mentais no grupo acadêmico eram de três a quatro vezes maiores do
que na população em geral, de acordo com um artigo da New Scientist. O mesmo artigo nota que a porcentagem de acadêmicos com doenças mentais no Reino Unido
é estimada em 53%.
Mas a atitude durona que permeia a torre de marfim pode induzir muitas
pessoas que sofrem com a saúde mental a deixar seus problemas escondidos,
enquanto outros simplesmente aceitam a depressão como parte do percurso. E na
cultura quase darwiniana entre estudantes de pós que competem por um punhado de
trabalhos como professor universitário, muitas pessoas assumem que problemas
psicológicos são só para os fracos.
“Eu achava — e torcia
para — que apenas tomar uns antidepressivos e
trabalhar mais pudesse ser o suficiente”, disse Jane*, uma doutoranda em
biologia que foi diagnosticada com ansiedade e depressão. “E como as coisas não
melhoraram rápido, isso ainda afetou o meu humor”.
Essencialmente, muitos alunos de doutorado estão tão acostumados a
trabalhar duro e se autodisciplinar que eles se flagelam quando seus esforços
para lidar com a depressão não produzem resultados perfeitos.
Um sentimento geral de isolamento pode, ainda, pesar mais em alunos de
pós que passam muito do seu tempo enterrados sob uma pilha de livros, sozinhos,
em laboratórios.
“As questões que afetam alunos em geral, que podem influenciar também
nos alunos de doutorado, é viver e trabalhar independentemente”, diz Anoushka
Bonwick, diretora de projetos e relacionamentos na Student Minds, entidade
filantrópica britânica.
Igualmente estressante é o fato de os alunos do doutorado enfrentarem
“incertezas sobre o futuro, como bolsa para a pesquisa e o que vão fazer depois
do doutorado”.
Essas questões podem ser ainda mais impactantes em alunos que não
possuem orientadores que os apoiam.
“Minha maior dificuldade era a sensação de ser largado à deriva”, diz
Andrew*, ex aluno de doutorado em física que saiu do programa meses antes de
terminar. “Eu não tinha um orientador envolvido ou que colocasse a mão na
massa. ” Enquanto ele largou o programa em parte para trocar de lugar com seu
colega, diz que “um orientador mais envolvido poderia ter mudado as coisas”.
Outros alunos de doutorado sofrem, com frequência, da síndrome
do impostor. Isso foi parte do meu problema mesmo antes de sinais de uma
doença mental séria terem começado a aparecer. Eu sentia que fui longe na
carreira acadêmica por acaso e que as notas altas que eu tinha recebido na
faculdade e no mestrado tinham sido um erro administrativo. Isso alimentou
tanto minha ansiedade quanto minha depressão.
A síndrome do impostor é um problema frequente entre alunos com bom
desempenho que se encontram rodeados de outros como eles, de acordo com Linda*,
professora de sociologia de New Jersey. “É muito comum se sentir uma fraude
incompetente, e geralmente você assume que é o único que se sente daquele
jeito”, ela relata.
A frequência desses problemas não deveria assustar futuros alunos que
querem conseguir um doutorado. Mas eles deveriam ser preparados a pensar sobre
como eles vão lidar com os desafios psicológicos ao lado dos desafios
intelectuais.
“Acho que primeiramente é muito importante procurar os serviços de
apoio que a universidade oferece”, diz Bonwick. Isso pode significar qualquer
coisa, desde aconselhamento da universidade até grupos de apoio de alunos.
Universidades e escolas estão também se esforçando para fazer mais para
apoiar alunos de pós graduação. Organizações sem fins lucrativos para alunos
como o Student Minds, no Reino Unido, e Active Minds e
o programa de campus “Health Matters ” de Jed e Clinton, nos
Estados Unidos, colaboram com instituições educacionais para alertar sobre
assuntos de saúde mental entre os alunos, assim como para estabelecer uma rede
de apoio.
Além dessas iniciativas, as universidades precisam fazer mais para
treinar orientadores a reconhecer sinais de alerta de qualquer coisa, desde
depressão em estágios iniciais e ansiedade a tendências suicidas e abuso de
substâncias. E é necessário criar uma cultura de abertura que não apenas remova
o estigma associado a problemas de saúde mental mas também que encoraje os
alunos a procurar ajuda.
“A academia compreende, mas talvez aceite até demais, que todo mundo
tenha problemas”, diz Jane. “Só porque muitas pessoas têm problemas de saúde
mental, não quer dizer que seja ok ou ‘é assim que é’”.
Por fim, é importante que tanto os que querem ser quanto os que já são
alunos de doutorado confrontem diretamente a frágil realidade do mercado de
trabalho acadêmico e se planejem de acordo. Incertezas sobre o futuro podem ser
um preço que os alunos tenham que pagar, mas eles têm menos chances de sofrer
se as suas identidades não estiverem inteiramente ligadas à pós-graduação.
“Se você quer ser professor universitário, pense como a vida poderia
ser se isso não acontecesse”, aconselha Linda. “O que mais poderia te fazer
feliz? Almeje um balanço na vida, em que um mundo enriquecido por família,
amigos e hobbies deem a sensação de completude que o trabalho pode não dar”. No
meu caso, a terapia me ajudou a sobreviver e terminar o doutorado — e a planejar minha vida fora da academia
antes mesmo de eu ter terminado a tese. Eu decidi me tornar uma escritora. Hoje
em dia, eu raramente uso meu conhecimento em física. Mas ainda confio na força
interior que desenvolvi durante meu tempo na pós-graduação, que me deu coragem
para moldar minha própria vida.
* Os nomes foram trocados para preservar a privacidade dos
entrevistados.
Original aqui
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