Numa escola ocupada
NUMA ESCOLA OCUPADA
Antonio Prata - 13/12/2015
Nós fomos falar de literatura, mas esperávamos que a discussão
migrasse para a proposta de fechamento das 92 escolas estaduais em São Paulo, o
impeachment, a crise hídrica e outros temas espinhosos do noticiário. No
entanto, a conversa que eu e os amigos escritores Fabrício Corsaletti, João
Paulo Cuenca, Chico Mattoso e Paulo Werneck tivemos com os alunos de uma das
196 escolas ocupadas, no último domingo, não poderia ter sido mais diferente do
que imaginávamos.
"Alckmin" foi pronunciado uma vez só –e por mim. A
política, nesse sentido menor, mesquinho, que vem sendo praticado pelo país nos
últimos 515 anos, passou longe e a literatura foi apenas o veículo que nos
levou ao que realmente interessava: a Política com P maiúsculo, no sentido que
os atenienses deram ao termo 2.400 anos atrás e que estes alunos e alunas da
rede pública vêm resgatando desde que entraram em suas escolas de manhã
cedinho, há quatro semanas, e não saíram mais.
Dormem por lá, cozinham, tomam banho, fazem faxina, reparam
infiltrações e recebem mais atividades extracurriculares, nestes 30 dias, do
que em toda a vida escolar. "A gente nunca tinha tido um debate
aqui", disse uma das alunas. "Esse ano, todo mês eu tentava trazer
alguém, mas a diretora proibia." Desde a ocupação, com a ajuda de
voluntários, organizaram shows, aulas de geografia, física, culinária, ioga,
dança, teatro, improvisação, quadrinhos, música, debates sobre dívida pública,
questões de gênero –e a lista continua.
Em uma hora e meia, não ouvimos nenhum desses clichês de Facebook
sobre a roubalheira petralha ou a privataria tucana. As questões saltavam o
estéril Flá-Flu e aterrissavam no solo bem mais fértil da experiência
cotidiana. "A gente só teve poesia no terceiro colegial, pro
vestibular." "Os professores entram, botam tudo na lousa e
acabou." "A diretora fica vários meses viajando e quando aparece, não
tá nem aí." "Encontramos três mesas de som, tela, tinta, um monte de
papéis a que a gente não tinha acesso."
A ocupação começou contra a proposta de fechamento de 92 unidades
de ensino (já adiada pelo governo), mas no processo os alunos descobriram
questões mais importantes. Que as escolas não precisam ser ruins. Chatas.
Abandonadas. Que "público" não é do governo e tampouco
de ninguém, mas deles. Aprenderam, por si sós –"fazendo arroz pra cem
negos" e decidindo, em assembleia, se o cigarro seria ou não liberado, lá
dentro (não)–, talvez a lição mais importante que se pode levar da escola: que
são donos dos próprios narizes e responsáveis pelo mundo em que vivem. Agora, se
perguntam: se com pouca idade e experiência eles conseguem administrar aquele
espaço tão bem, por que o Estado mais rico da oitava economia do mundo não
consegue?
No fim do papo, uma garota do terceiro colegial nos falou: "O
que eu mais queria era tá no primeiro, pra poder estudar três anos nessa escola
do jeito que ela vai ser daqui pra frente, depois da ocupação". Me deu um
baita nó na garganta: ainda não sei se foi pela esperança que essa experiência
me traz num momento tão trevoso da história nacional ou se pela tristeza de ver
que a única resposta que o país parece ter para os anseios destes meninos é
soco, cassetete, bomba e gás lacrimogêneo.
FONTE:
Aqui
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