A felicidade é deprimente
A felicidade é deprimente
Contardo Calligaris
29/10/2015
É possível que a depressão seja o
mal da nossa época.
Ela já foi imensamente popular no
passado. Por exemplo, os românticos (sobretudo os artistas) achavam que ser
langoroso e triste talvez fosse o único jeito autêntico de ser fascinante e
profundo.
Em 1859, Baudelaire escrevia à sua
mãe: "O que sinto é um imenso desânimo, uma sensação de isolamento
insuportável, o medo constante de um vago infortúnio, uma desconfiança completa
de minhas próprias forças, uma ausência total de desejos, uma impossibilidade
de encontrar uma diversão qualquer".
Agora, Baudelaire poderia procurar
alívio nas drogas, mas ele e seus contemporâneos não teriam trocado sua
infelicidade pelo sorriso estereotipado das nossas fotos das férias. Para um
romântico, a felicidade contente era quase sempre a marca de um espírito
simplório e desinteressante.
Enfim, diferente dos românticos, o
deprimido contemporâneo não curte sua fossa: ao contrário, ele quer se desfazer
desse afeto, que não lhe parece ter um grande charme.
Alguns suspeitam que a depressão
contemporânea seja uma invenção. Uma vez achado um remédio possível, sempre é
preciso propagandear o transtorno que o tal remédio poderia curar. Nessa ótica,
a depressão é um mercado maravilhoso, pois o transtorno é fácil de ser
confundido com estados de espírito muito comuns: a simples tristeza, o
sentimento de inadequação, um luto que dura um pouco mais do que desejaríamos
etc.
De qualquer forma, o extraordinário
sucesso da depressão e dos antidepressivos não existiria se nossa cultura não
atribuísse um valor especial à felicidade (da qual a depressão nos privaria).
Ou seja, ficamos tristes de estarmos tristes porque gostaríamos muito de sermos
felizes.
Coexistem, na nossa época, dois
fenômenos aparentemente contraditórios: a depressão e a valorização da
felicidade. Será que nossa tristeza, então, não poderia ser um efeito do valor
excessivo que atribuímos à felicidade? Quem sabe a tristeza contemporânea seja
uma espécie de decepção"¦
Em agosto de 2011, I. B. Mauss e
outros publicaram em "Emotion" uma pesquisa com o título: "Será
que a procura da felicidade faz as pessoas infelizes?" (migre.me/rWgNC).
Eles recorreram a uma medida da valorização da felicidade pelos indivíduos e,
em pesquisas com duas amostras de mulheres (uma que valorizava mais a
felicidade e a outra, menos), comprovaram o óbvio: sobretudo em situações
positivas (por exemplo, diante de boas notícias), as pessoas que perseguem a
felicidade ficam sempre particularmente decepcionadas.
Numa das pesquisas, eles induziram a
valorização da felicidade: manipularam uma das amostras propondo a leitura de
um falso artigo de jornal anunciando que a felicidade cura o câncer, faz viver
mais tempo, aumenta a potência sexual –em suma, todas as trivialidades nunca
comprovadas, mas que povoam as páginas da grande imprensa.
Depois disso, diante de boas
notícias, as mulheres que tinham lido o artigo ficaram bem menos felizes do que
as que não tinham sido induzidas a valorizar especialmente a felicidade.
Conclusão: na população em geral, a
valorização cultural da felicidade pode ser contraprodutiva.
Mais recentemente, duas pesquisas
foram muito além e mostraram que a valorização da felicidade pode ser causa de
verdadeiros transtornos. A primeira, de B. Q. Ford e outros, no "Journal
of Social and Clinical Psychology", descobriu que a procura desesperada da
felicidade constitui um fator de risco para sintomas e diagnósticos de
depressão (migre.me/rWhcK).
A pesquisa conclui que o valor
cultural atribuído à felicidade leva a consequências sérias em saúde mental.
Uma grande valorização da felicidade, no contexto do Ocidente, é um componente
da depressão. E uma intervenção cognitiva que diminua o valor atribuído à
felicidade poderia melhorar o desfecho de uma depressão. Ou seja, o que escrevo
regularmente contra o ideal de felicidade talvez melhore o humor de alguém.
Fico feliz.
Enfim, em 2015, uma pesquisa de
Ford, Mauss e Gruber, em "Emotion" (migre.me/rWhp4), mostra que a
valorização da felicidade é relacionada ao risco e ao diagnóstico de transtorno
bipolar. Conclusão: cuidado, nossos ideais emocionais (tipo: o ideal de sermos
felizes) têm uma função crítica na nossa saúde mental.
Como escreveu o grande John Stuart
Mill, em 1873: Só são felizes os que perseguem outra coisa do que sua própria
felicidade.
FONTE: Aqui
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