segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A revolução não será televisionada....


As grandes capitais brasileiras estão sofrendo. Esse sofrimento tem fortes e perigosos vínculos com traços históricos de autoritarismo, manifestado por governantes; governantes estes (re)eleitos pelo povo. Um povo que se encontra cada vez mais é iludido e enganado por uma publicidade institucional mentirosa e de um discurso desenvolvimentista e empreendedor, aliado a um silenciamento dos grandes veículos da midia, que escondem os abusos de governantes do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. m-se um discurso dissimulado, cujo cenário oculta incêndios criminosos, desocupações violentas e invasões autorizadas pela justiça, sendo justificadas sempre com os mesmos argumentos: manter a ordem, evitar a baderna, conter uma população enfurecida e repreender traficantes e viciados em drogas.

O mais recente, e gritante, exemplo de autoritarismo encenado pelo prefeito de Belo Horizonte pode ser visto nesta última sexta feira, no dia 9 de novembro de 2012, em um dos locais mais tradicionais da boemia de belohorizontina: o edifício Maletta. Prédio histórico para a cidade, local do encontro de artistas, intelectuais, estudantes, políticos de esquerda desde a década de 1960. Ele foi incubadora de ideias, nele surgiram grupos que defenderam, e sofreram, pela luta por maior liberdade e democracia, tanto para a cidade quanto para o país.

Atualmente o lugar passou por transformações. Novos, e jovens, empreendedores abriram cafés, bares, salas onde grupos discutem ideias, propostas, se encontram para beber, conversar e se divertir. Tais transformações revitalizaram o espaço, trazendo novas pessoas com ideias e ideais, movimentos e tendências, ou seja, o velho Maletta estava "reconquistando" o seu lugar na noite da cidade. O grande número de pessoas que lá se encontram também pode ser entendido como reflexo do fechamento de outros espaços alternativos, deixando com que as pessoas que gostavam de locais mais informais e alternativos; aqueles espaços mais despojados, onde se abraça os encontros entre os múltiplos olhares, ficassem sem espaços para se encontrar. Um anacronismo ao se pensar uma cidade que, sempre teve como propaganda, possuir a maior concentração de bares por pessoa, mas que agora, tem um cerceamento à ocupação urbana, com o fechamento de espaços de mobilização cultural, fazendo uso de artifícios e lacunas legais para legitimar uma ação mais violenta.

Nesta sexta feira, do dia 9 de novembro, os clientes que se encontravam nos estabelecimentos do edificio Maletta tiveram um gostinho da nova versão, "não mais bonzinho" do nosso prefeito. Munido do aparelho repressor que lhe cabe: a polícia, acompanhada  por oficiais de justiça, cães e o juizado de menores, invadiram e lacraram o espaço, numa sexta à noite, deixando atônitos consumidores, famílias, jovens, mulheres e idosos. Chegaram trazendo pânico para pessoas que não tinham a menor ideia do que estava acontecendo, interrompendo de maneira traumática seu momento de lazer, tendo o seu direito de ir e vir, principalmente ao da informação, simplesmente negados pelos oficiais em serviço.

Indignados, alguns retiraram seus celulares e buscaram registrar toda aquela ação, que ocorria sem a menor justificativa, sem a divulgação de algum mandado de busca que justificasse tal ação, nada. O que se teve foram pessoas sendo violentadas, aterrorizadas e arrastadas para camburões sem ao menos saber: por quê?

Suspeita-se que a ação foi uma meneira de intimidar o grupo de manifestantes e críticos ao prefeito chamado "Fora Lacerda", que havia marcado pela internet, numa das dependências do edifício Maletta, um local para o recebimento de doações para auxiliar as vítimas da Comunidade Eliana Silva. Famílias que foram expulsos de suas casas de forma violenta, sem direito a explicação ou ao conhecimento dos fatos; simplesmente recebendo, de maneira abrupta e maciça, dos braços repressores do Estado, um tratamento desumano e humilhante, que é a negação e a pilhagem de seus parcos pertences.

Quando fiquei sabendo do ocorrido da sexta à noite, corri para buscar mais informações em sites e jornais de Belo Horizonte e, eis que, para minha "surpresa", nada havia sido noticiado ainda. Percebi um movimento de indignação correu as redes sociais, sites de notícia independentes, alertando para o fato ocorrido em Belo Horizonte. Links, fotos, alguns poucos vídeos e depoimentos foram compartilhados e retuitados na rede, mas, nos demais veículos de comunicação, apenas o silêncio.

Confesso que temo que uma versão deturpada do acontecimento seja veiculado. Uma versão que acabe por colocar aqueles que foram presos, sob a acusação de "desacato à autoridade", como bandidos e baderneiros, jogando um veu opaco sobre mais um trabalho truculento dos agentes de segurança. Agentes que repreenderam cidadãos de bem que estavam apenas querendo registrar a forma abusiva e autoritária que funcionários e agentes públicos abordavam pessoas, obrigando-as a passar por revistas individuais humilhantes, quebrando e saqueando aparelhos eletronicos; agentes que aterrorizaram pessoas que estavam, inocentemente, desfrutando de um início de fim de semana com seus familiares entre comidas e bebidas de forma inocente.

Abaixo apresento o texto do professor Fernando Torres Pacheco, morador de Belo Horizonte, mas que atualmente trabalha no Amazonas. Fernando apresenta suas impressões sobre as ações que sufocam o cidadão comum, assim como ele, de Belo Horizonte. Sua angústia também pode ser vista como uma crônica triste da realidade que assola as demais capitais do sudeste, locais onde a publicidade e a maquiagem ganham espaço, e um grupo cada vez maior de iludidos vão tendo sua liberdade cerceada sem ter a menor ideia do que se passa (Bruno Paes).
Para ler o texto, clique aqui.
Digressões e apontamentos – Belo Horizonte adoece (por Fernando Torres Pacheco, Manaus)

*A última vez que estive em BH, entre os meses de junho e julho, me deparei com essa notícia: interditaram a Cantina do Lucas. Apesar da alegação da Vigilância Sanitária de que o restaurante funcionava irregularmente, jornalistas e frequentadores assíduos chegaram a denunciar aqui no facebook que a ordem de interdição do restaurante era arbitrária. A notícia que circulava por aí no facebook dizia que o gerente mandara reformar o almoxarifado do restaurante, e se surpreendeu com a ação da prefeitura. Alguns dias depois o restaurante reabria as suas portas.
*Lembro-me - pouco antes de sair da cidade e rumar para o norte - de uma propaganda na parede do velho Malettão, logo em frente à Cantina. Era um projeto medonho do "novo Maletta", um desenho arquitetônico em três dimensões, um simulacro empalidecido do grande corredor térreo do prédio. Era uma visão asséptica, fantasmagórica, com seus bares e lojas destituídos de singularidade, de cores e alma, todos eles reduzidos a um mesmo modelo, sanitário, reluzindo a cretinice pálida dos shoppings/malls. Aquelas colunas e pisos metálicos ou em mármore, se a memória já não falha. Olhávamos para aquilo meio incrédulos, céticos de que isso fosse possível ou mesmo viável num reduto que por tanto tempo era sinônimo de orgulho para a boemia da capital. Afinal, não há lugar mais democrático na vida noturna da cidade. Refúgio de intelectuais, partidários de esquerda, músicos, artistas, jornalistas, professores e juristas durante os anos de chumbo, o Maletta hoje abriga nos seus bares, ateliês de arte, sebos e lojas todos os tipos possíveis: estudantes, metaleiros, intelectuais, advogados, médicos, artistas, nerds, hipsters, pagodeiros, turistas, transeuntes desavisados e deslumbrados com a magia do prédio, poetas, clochards, pessoas legais, pessoas chatas e toda a sorte de gente que possamos imaginar. Todos reunidos nas galerias do prédio com um só intuito - celebrar o direito inalienável da diversão. Então, ainda incrédulos, desviávamos o olhar daquele poster cínico e engolíamos mais uma golada de cerveja.
*O prédio resistiu à provocação do projeto, era o que parecia. Novos bares foram abertos no segundo piso. Novas galerias de arte. Mais pessoas faziam o movimento migratório, buscavam no Centro um refúgio que a Savassi - ressignificada pela classe média local - não era mais capaz de oferecer. Concomitantemente, ainda no centrão, a poesia negra ganhava mais e mais força no Duelo de MC's, embaixo do viaduto de Sta. Tereza e mais um bar surgia logo ali ao lado: o Nelson Bordello. Aos sábados, jovens começaram a se juntar na Pça da Estação para tomar banho nas fontes e protestar contra a paulatina privatização desse espaço. Ainda ao lado do Bordello, o Grupo Espanca abre a sua sede. Tudo no centro parecia reluzir. Havia uma alegria de volta aquela área, que por anos fora esquecida e negligenciada pelo poder público. O centro da cidade era, até então, um lugar de passagem, do andar apressado e suspeito, reticente. Flanar Rua da Bahia abaixo quase sempre poderia significar uma aventura de alta periculosidade. Mas não agora. A noite do centrão parecia mais calma, leve, mais vistosa, lançada ao acaso dos bons encontros, dos sorrisos, gargalhadas, abraços, beijos e, sempre, boas prosas.
*Junho 2012: chegando no aeroporto de Confins. Ônibus do Conexão Aeroporto rumo à Av. Álvares Cabral. O busão cortava a muito controversa "linha verde". (espantoso lembrar que, mesmo com tantas obras, tanto dinheiro investido, tanto transtorno causado durante tanto tempo, aquela área da Cristiano Machado continua sofrendo tanto com inundações e alagamentos. Todos os anos, tanta gente sem casas, tanta gente sofrendo, tanta gente que chora, tanta gente adoecendo... ) O ônibus entra no túnel (aquele túnel, sempre tão fantástico na infância), atravessa-o e desce em direção ao centro. Aquela sensação gostosa e revigorante de estar mais uma vez chegando. E então, um susto. Aquele arranha-céu, aquele que tem um espiral de concreto saindo do térreo até chegar ao teto, um prédio antigo e abandonado, que deve ter servido em tempos idos como estacionamento de carros. Pois então, que horror. Como assim vai virar um hotel? Peraí! Do Roberto Justus?!? Começo a desenrolar um enredo funesto, associando perversões do tipo que já foram feitas em outras cidades, como o processo de gentrificação nova-iorquino levado a cabo por Rudy Giuliani e pelo mega-empresário Donald Trump; ou mesmo as ações fascistas da região da Luz em São Paulo. (um calafrio corre pela espinha.) A medida que adentro a cidade, mais estranha ela me parece. A Savassi torna-se o pavilhão do estranhamento. Onde estão os canteiros de pedras, as plantas, as flores? Que coisa mais bizarra, todo esse cimento, essas vigas de metal...
*Eu não estou lá. E vejo, machucado, à distância, um canalha inescrupuloso se reeleger na minha cidade. Ressentido com o desdém que tem da população, o facínora deixa o aviso antes de encerrar a sua campanha eleitoral: "Não serei mais tão bonzinho!". Uma frase lançada no ar, tão enigmática e no entanto tão elementar. A quem fora dirigida? Ao candidato opositor que poderia combatê-lo num possível segundo turno? Não foi o que pareceu. O alvo agora era a própria população, que não aceitou os desmandos de sua gestão (gestão sim, pois é como trata a cidade, como sua empresa e os cidadãos como meras formiguinhas, escravos da pólis-empreedimento). O recado era para as populações desterritorializadas de suas ocupações, para as pessoas que denunciaram vendas de rua, para o jovens que se vestiram de laranja, para os militantes que vestiram de vermelho, para os artesãos e moradores de rua e para todos aqueles que, de alguma maneira, ousaram se contrapor aos desmandos de sua prefeitura. Recado recebido: de longe, temi, muito, muito mesmo pelo o que estaria por vir.
*10/11/2012 - sábado, final de semestre, todas as notas lançadas, boletins encerrados após período prolongado pós-greve. Um fim de semana para relaxar um pouco antes de voltar a programar as aulas do semestre que começa em muito breve. Um café, um pedaço de pizza fria da geladeira, um cigarro e internet. O facebook me auxilia na distância. Através dele mato a saudade dos amigos, vejo notícias de minha cidade, o que está havendo por lá, e também o que ocorre por aqui em Manaus, pinço alguma dica legal do que fazer. Mas as notícias não são boas. A cada relato que leio sobre a madrugada do centro de BH, mais o relaxamento vai cedendo lugar à tensão e à consternação. Cerca de 100 agentes do Estado (entre policiais, cães farejadores, agentes do juizado de menores e vigilância sanitária) adentram abruptamente no hall do Edifício Maletta, constrangendo, coagindo e espalhando o medo em suas galerias. Os portões fechados, só sai quem for previamente revistado. Todos são suspeitos de um crime não anunciado, como se aqueles presentes ali fizessem parte de uma grande conspiração, uma horda que se preparava, entre uma bebida e outra, para deitar abaixo a cidade. O tom era ameaçador, não houve respostas das indagações advindas de todos os cantos. ("O que se passa? O que se passa? O que é que há?") Câmeras e celulares daqueles que exerciam o direito de vigiar a ação policial foram confiscados ou quebrados. Um cenário de tristeza em que ficava claro o objetivo de constranger e aterrorizar as pessoas, em nome de algum projeto inconfessável e digno de todo o repúdio do mundo. E o resultado da ação? Por volta de quinhentas pessoas frequentavam os dois primeiros andares do prédio. Cinco foram presas, uma por porte de maconha, as outras foram detidas simplesmente por terem filmado toda aquela truculência. Entre elas, uma mulher de vestido branco, agarrada por quatro brutamontes, erguida por pernas e braços, tendo exibida a sua nudez para todos ali e na rua até o camburão. Uma tristeza sem tamanho. Uma cena que só me remete as ações dos Estados mais cruéis, desrespeitadores dos mais fundamentais princípios de um Estado de Direito. Impotentes, revoltados, atônitos, todos esperaram então o desfecho da indelével insensatez das fardas para pagarem as contas e se dirigirem para as suas casas e tentar dormir (como?) após mais uma grande demonstração de vilipêndio dos donos da cidade.
*(Suspiro...)
* O resto é silêncio?


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