quinta-feira, 21 de julho de 2011

O cinema na sala de aula


José de Sousa Miguel Lopes
Neste texto, procura-se abordar, de forma breve, as principais vantagens de utilizar o cinema na sala de aula, o tipo de filme (documentário, ficção ou apenas os designados como educativos) que pode ser trabalhado na escola, a faixa etária mais apropriada para essa técnica de ensino, as perguntas que o professor precisa fazer para verificar se o conteúdo de um filme é adequado a partir do que conhece da turma, os aspectos a ter em conta pelo professor na preparação da exibição de um filme e as circunstâncias em que se deve exibir um filme inteiro ou trechos do filme.

As principais vantagens de utilizar o cinema na sala de aula

As principais vantagens advêm do fato do cinema ser uma forma de arte que se apresenta aos alunos e ao espectador, em geral, como um ponto de partida para uma reflexão crítica sobre questões políticas, filosóficas, sociológicas, antropológicas e educacionais. Ele possibilita que se desperte nos alunos o interesse pelo estudo, pela arte, pela estética, auxiliando a formação de agentes multiplicadores do pensamento crítico.
O olhar cinematográfico enriquece nosso olhar sobre a educação e sobre o processo escolar. O cinema pode ser definido como uma educação informal, que necessita de uma metodologia para melhor aproveitamento na sala de aula. O cinema atua como um elemento de aprimoramento cultural e intelectual dos docentes e dos discentes.
Ciência artística ou arte científica, conjugação da razão e da imaginação, do rigor e da intuição, o cinema deve ser o agente de uma nova educação que dote o sujeito de uma razão sensual, isto é, de uma razão estética que saiba debruçar sobre si mesma e saiba explorar as possibilidades de um mundo melhor, de uma sociedade de não-excluídos. Nessa perspectiva, a sala de aula cinematográfica deve oportunizar que os alunos tenham uma cosmovisão do mundo, da sociedade em que vivemos, e entender que as relações de produção de nossa época informam sobre o sentido e significado do nosso presente.

Filmes em geral (documentário ou ficção) podem ser trabalhados na escola ou a ênfase deve ser dada àqueles educativos?

Todos os filmes (documentários, ficção ou temas educativos) devem ser trabalhados em sala de aula. Aliás, o termo “educativo” é problemático, pois a meu ver todos os filmes podem ser educativos. Depende da forma como eles são trabalhados pelo educador. Reduzir os filmes em sala de aula apenas aos considerados “educativos” é empobrecer o cinema e é empobrecer o processo educativo. Um filme, na minha perspectiva, não deve ser trabalhado apenas como complementação aos conteúdos didáticos. Isso é uma forma de empobrecer essa obra de arte que é o cinema. Sabe-se que uma parte significativa de educadores trabalha o cinema em sala de aula nessa perspectiva de dar suporte às matérias curriculares. Mas essa não é a melhor forma de estabelecer um diálogo profícuo entre a educação e o cinema. Aliás, o mais avançado que hoje se pode fazer em sala de aula é colocar os próprios alunos a fazer cinema. E hoje isso não é tão difícil em termos tecnológicos, pois até com um celular se podem fazer pequenos filmes. Uma experiência interessante é a de fazer filmes de um minuto. Isso exige uma planificação do que se vai filmar e como filmar (a elaboração de um roteiro, o número de tomadas, os enquadramentos, a luminosidade, etc.),
Por outro lado há quem afirme que todos os filme são documentários (incluindo, portanto, os que designamos como de ficção). É possível observar que estes dois tipos de filme por vezes se tangenciam de tal forma que corremos o risco de rotulá-los de maneira equivocada.
A ficção e o documentário são áreas razoavelmente diferenciadas, mas com fronteiras incertas e continuamente atravessadas de objetos cinematográficos híbridos. São tendências, que podem radicalizar-se e mutuamente opor-se ou podem também coincidir num mesma obra fílmica.
É consensual que toda a ficção tem algo de documental e todo o documentário tem algo de ficcional. Isso porque entendemos por “documental” o que remete para um referente exterior e pré-existente, e por “ficcional” o que remete para uma construção autônoma, anterior ou posterior. As ficções são construções imaginárias, mas têm de documental o pressuporem situações e espaços do real; enquanto os documentários são também construções mentais mas a partir de situações dadas do real. É uma diferença de grau, portanto, visto que há sempre uma base de real (documental) sobre a qual se constrói uma história (ficcional).
Dentro do campo do documentário haverá gêneros (biográfico, social, observacional, ensaístico, etc.), tal como no campo da ficção os há (comédia, policial, aventura, fantástico, melodrama, etc.). Os gêneros são uma comodidade, uma forma de arrumar os filmes por aproximação e semelhança, uma forma de antecipação para os espectadores, talvez; mas o gênero dum filme não deve ser tomado como sua definição enquanto obra singular. O filme não tem de ter um gênero, assim como não tem que pertencer à ficção nem à não-ficção nem ao não-documentário. Um filme é o que é.
Apesar de tudo existem diferenças que nos permitem perceber qual a tendência dominante de um filme. Para mim, a diferença essencial entre ficção e documentário está em que na ficção as personagens são desempenhadas por atores (tanto faz se profissionais ou não), enquanto no documentário as personagens estão a representar o seu próprio papel como pessoas. O segundo critério, menos decisivo, será o grau de encenação de uma cena.
Sobre a faixa etária mais apropriada para essa técnica de ensino

Em todas as faixas etárias de pode trabalhar com o cinema. Evidentemente, os filmes deverão ser adequados à faixa etária dos alunos. Para as primeiras classes do ensino fundamental é mais difícil encontrar filmes adequados. Existe um número elevado de desenhos animados mas, a maioria, são produzidos nos EUA e obedecem à lógica mercantil americana, reproduzindo seus valores e onde a componente de violência se faz muito presente, o que é pouco educativo.
O professor precisa interrogar-se sobre o que fazer para verificar se o conteúdo de um filme é adequado a partir do que conhece da turma. Deve partir do pressuposto de que qualquer análise dependerá dos objetivos de utilização do filme. Assim, entre inúmeras perguntas que podem ser feitas, sugerimos as seguintes:
Os conteúdos são adequados ao currículo oficial? E ao currículo da escola?
Os conteúdos são adequados ao nível de compreensão dos alunos?
A abordagem do tema é atual ou já existem novos enfoques ou tendências?
O tratamento dado aos conteúdos está atualizado?
Há outros enfoques, tendências, abordagens ou descobertas científicas que precisam ser exploradas? Quais? De que forma?
O filme possibilita o trabalho interdisciplinar? Com quais disciplinas?
O tema e os conteúdos são adequados ao tratamento de temas transversais como sexualidade, ética, meio ambiente, etc.?
A forma de tratar os conteúdos é adequada ao processo de ensino e aprendizagem da escola?
Todos os aspectos relacionados com o tema e/ou conteúdos foram abordados?
Com qual profundidade? Com qual abrangência?
A quantidade de informação é: insuficiente/superficial; suficiente/adequada; demasiada/complexa?
Qual o tipo de linguagem empregada?
Valoriza mais as imagens ou a linguagem verbal?
Valoriza a dimensão emotiva, a imaginação e a sensibilidade?
Comunica ideias por meio das emoções? Quais? Como?
Aspectos a ter em conta pelo professor na preparação da exibição de um filme

A primeira preocupação é a de selecionar o filme tendo em conta a faixa etária dos alunos. O professor precisa assistir ao filme antes de usá-lo para conhecer a obra cinematográfica e estabelecer critérios para o plano de aula, onde devem constar os conceitos, os objetivos, a metodologia, incluindo um roteiro de discussão do filme e a avaliação. No início da aula o professor deve entregar o planejamento aos alunos (onde conste a sinopse do filme e um roteiro para discussão). Deve também fazer um breve comentário da obra a ser exibida.
Uma questão importante a ter em conta é que essa atividade não deve ser vista como uma distração, em que professores usam filmes para ocupar o tempo de suas aulas, mas sim como uma oportunidade de construir conhecimento, um saber histórico escolar.
No final do filme o professor deve promover o debate. O professor precisa ter um conhecimento básico da linguagem cinematográfica, um domínio mínimo da sua gramática para ajudá-lo na hora da análise crítica do filme e na orientação aos alunos. Na internet é possível consultar sites de introdução ao cinema ou comprar livros da área.
Articular a discussão do filme usando outro tipo de fonte (música, matéria de jornal, fotografia etc.), pode tornar a aula muito mais dinâmica e interessante.

Exibir um filme inteiro ou trechos?

Esta questão é polêmica e parece não haver consenso entre os educadores. Reconheço que, em certas circunstâncias, podem-se passar fragmentos de filmes, sobretudo quando se pretendem analisar, de forma mais profunda, aspectos mais técnicos do filme (enquadramentos, planos, movimentos de câmara, zoom, luz, som, etc.). Mas passar fragmentos é, em alguma medida, mutilar uma obra de arte. Até o próprio modo de ver um filme exige certas condições e uma delas é que a obra seja vista sem intervalos. Em tempos passados era hábito nas salas de cinema ocorrer um intervalo e se tornou comum os filmes passados na TV serem sistematicamente interrompidos com comerciais. Isso levou o grande mestre Fellini, a proibir que qualquer filme seu fosse passado com intervalos. Imaginem que alguém quisesse ver Guernica e só lhe facultassem a visão de um fragmento do célebre quadro de Picasso, ou querer ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven e apenas pudesse ouvir um pequeno andamento. Enfim, os exemplos poderiam se multiplicar para mostrar como é importante o acesso á integralidade de qualquer obra de arte, evitando também, na medida do possível, interrompê-la durante sua projeção.


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