segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Escola e a violência

De: Robson Sávio Reis Souza

Ângela Maria Dias Nogueira Souza

 

Muitos educadores e parte da opinião pública pensam que a violência na escola é um fenômeno novo que teria surgido na década de 1980 e se intensificado nos anos seguintes. Mas, para o sociólogo francês Bernard Charlot desde o século XIX há relatos de violência na escola. O que mudou foi sua forma de manifestação.
O que há novo nesse fenômeno? As agressões agora são muito mais graves: homicídios, estupros e presença de armas no ambiente escolar. Os envolvidos são cada vez mais jovens. Há um aumento do número de ”intrusões externas” na escola e até mesmo nas salas de aula, para acertos de conta que se iniciam nas suas proximidades e, por último, os pequenos sobressaltos a que são submetidos continuamente os profissionais das escolas que estão localizadas em áreas muito violentas. continua...

 
Para trabalhar as várias formas de manifestação desta violência no ambiente escolar, Bernard Charlot considera necessário fazer algumas conceituações. O termo “violência na escola” se refere às violências que acontecem dentro da instituição escolar, mas não estão ligadas às suas atividades. São exemplos desta violência, os roubos, invasões e acertos de contas por grupos rivais. Neste caso a escola é apenas um local onde a violência ocorre. A “violência à escola” é a violência ligada à natureza e às atividades da instituição educacional. Ela acontece quando os alunos provocam incêndios e agridem os professores, por exemplo, ou seja, a violência contra a instituição ou o que ela representa. Por fim, considera, ainda, a “violência da escola”, ou seja, a violência institucional simbólica. Como a instituição escolar define, por exemplo, os modos de composição das classes, as formas discricionárias de atribuição de notas, etc.
Para este autor, a escola possui grande margem de ação frente às violências da e à escola. Porém, se a escola tem poucos recursos para solucionar os problemas de violência que não estão ligados às atividades da instituição, ou seja, se a violência vem de fora, ela deve buscar auxílio de outras agências públicas.
Considerando o resultado de pesquisas sobre violência nas escolas, como a realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (Crisp) entre os anos de 2003 e 2004, percebe-se pelas características dos locais onde as mais diferentes escolas – públicas ou privadas – se encontram que sinais físicos ou sociais de desordem, bem como a presença de agentes que produzem desordem estão associados à freqüência de depredação e outros eventos de vitimização. Portanto, a violência está muito mais relacionada à desorganização social do que às desvantagens econômicas. Segundo o Crisp, a violência nos estabelecimentos escolares “refere-se às características dos locais onde as escolas se encontram. Observou-se que as regiões que apresentam sinais de desordem, bem como a presença de agentes que a produzem estão associadas à percepção que os alunos constroem acerca nos níveis de segurança, do mesmo modo como ocorre na sociedade como um todo”.
Outro ponto de destaque na referida pesquisa é sobre as considerações acerca da pertinência de relações de parceria entre escolas e comunidades, independente de se tratar de escolas públicas ou privadas. Neste contexto, disponibilizar as escolas para que membros da comunidade (externa) possam se associar politicamente, ou usar seu espaço para eventos de lazer, pode trazer bons resultados, mesmo nas áreas com presença mais intensa de sinais de desordem.

Não são exclusivamente os eventos violentos que afetam a percepção da violência pelos alunos. As percepções da violência prejudicam o comportamento de todas as pessoas. Neste sentido, essa percepção pode ser afetada quando o cidadão toma conhecimento de um evento de criminalidade ou quando é vítima dele; ou seja, não é apenas o crime, mas também o medo que influencia os comportamentos, atitudes e tomadas de decisões. Deste modo, quando a pesquisa aponta que quase 90% dos alunos (de escolas públicas e/ou privadas) viram ou ouviram falar de desentendimentos ou xingamentos nas escolas e quase 70% viram ou ouviram falar de arruaças nas escolas, não foram contabilizando os eventos em si, mas o percentual de indivíduos que tomaram conhecimento desses eventos.
Quando se analisam as escolas com altos índices de violência, verifica-se uma situação de forte tensão. Os incidentes são produzidos neste fundo de tensão social e escolar onde um pequeno conflito pode provocar uma explosão. As fontes de tensão podem estar ligadas ao estado da sociedade e do bairro, mas dependem também da articulação da escola com este público e suas práticas de ensino, conforme nos aponta Bernard Charlot.
Muitas vezes, a inúmeras queixas dos professores são transformadas em discursos de vitimização. E como vítimas, eles se colocam num “lugar” de impotência frente aos problemas da violência e da aprendizagem de seus alunos. Como dizia Paulo Freire, educar exige do educador além do comprometimento, a convicção de que a mudança é possível e a compreensão de que a educação em si já é uma forma de intervenção no mundo. Portanto, não se trata aqui de minimizar ou negar os problemas enfrentados pelos professores no cotidiano escolar. Eles são graves e precisam ser considerados. Porém, é possível encontrar alternativas para a solução dos eventuais problemas quando os profissionais da educação se colocam como sujeitos responsáveis pelos processos educativos dos alunos.
Trabalhando de forma isolada, a escola não encontrará soluções possíveis e ainda correrá o risco de entrar num círculo vicioso de perpetuação da lógica criminológica instaurada, que poderá transformá-la em vítima desta criminalidade violenta. Os problemas da violência são complexos e nenhuma instituição sozinha poderá resolvê-los, sendo necessário um trabalho em rede onde cada instituição dará a sua contribuição.
Os profissionais da educação ao entenderem que a família e a escola são as instituições mais importantes, senão únicas capazes de educar as crianças e os adolescentes, acreditam que quando a família não “cumpre sua função” - que é de formação de caráter e normas disciplinares -, a escola, possivelmente, não conseguirá também exercer o seu papel, porque a educação oferecida pela instituição de ensino e pela família são complementares.
Sentindo-se impotentes frente à violência no âmbito escolar, a única instituição que os professores reconhecem como capaz de ajudá-los nesta tarefa é a polícia, que é chamada na escola, às vezes cotidianamente, para “resolver” desde os problemas como tráfico de drogas, até os mais banais, como desaparecimento de objetos ou brigas entre alunos. E mesmo reconhecendo que a intervenção da polícia é, rotineiramente, repressiva e pontual e que algumas vezes pode piorar a situação, criando constrangimentos (como os casos envolvendo crianças que são detidas, à revelia da lei), a escola continua utilizando as mesmas estratégias, para solução dos casos.
Lembremos de outro mestre, Miguel Arroyo. Ele aponta que a escola não dará conta de reverter sozinha o processo de desumanização dos jovens; porém, ela não poderá continuar a ser um espaço que legitima e reforça esta desumanização. É necessário um reordenamento escolar que considere os tempos e as vivências dos educandos. As formas de organização das escolas, com uma estrutura seriada e a rigidez dos conteúdos, reforçam mais a desumanização a que são submetidos os adolescentes e jovens, principalmente das periferias. As condições de vida de muitos jovens tais como a rua, a moradia, o trabalho forçado, a violência, a fome são questões muito pesadas para sujeitos ainda em desenvolvimento.
Num cenário de co-responsabilidade, envolvendo a comunidade, os profissionais da educação e outros atores sociais, os educadores devem assumir a educação como um direito de todos, acolhendo os alunos e suas famílias e incentivando-os a participarem ativamente dos trabalhos desenvolvidos pela escola. Devendo também trabalhar com outras questões que extrapolam o ensinar e o aprender. Uma dessas questões é com relação à violência que necessitava com urgência entrar na pauta de discussões dos educadores para que eles pudessem construir “um outro olhar” sobre ela. Que não seja simplesmente da criminalização de seus agentes. Deve-se analisar a violência como algo complexo e não apenas como um ato isolado, procurando descriminalizar os conflitos e trabalhá-los pedagogicamente.
É necessário vencer os obstáculos impostos pelas diferenças de geração, articular os programas e políticas públicas focados para os adolescentes e jovens, com o objetivo de ouvir esses sujeitos; entender suas angústias e transformar suas reivindicações em demandas legítimas. Dar conta de que esta nova ordenação de mundo supõe novos contratos sociais mais flexíveis e baseados na negociação e não mais na imposição de normas ditadas pelos adultos.
A reflexão de que é possível construir outro olhar sobre os jovens e o reconhecimento da importância de dialogar com outras instituições para dividir as angústias e as responsabilidades, tendo a consciência das funções e limites das instituições, possibilita a construção de um trabalho conjunto para garantir maior proteção às crianças, aos adolescentes e aos jovens.
Texto publicado no Jornal Estado de Minas (Caderno Pensar), Belo Horizonte, p. 03, 24 abr. 2010.

2 comentários:

cristina 13 de junho de 2011 às 07:48  

Oi Angela ótimo texto, estou em teste.

cristina 13 de junho de 2011 às 08:07  

Angela as vezes fico pensamento que todos nós ligados a escola cumprimos um papel de bons samaritanos. E penso que estamos certo em muitos apectos.Pela impotancia política e humana da escola e por mais que nossas ações tenham um alcance limitado, pois a escola é uma ilha frente a uma estrutura perversa das diferenças sociais, não podemos jamais cruzar os braços, sobretudo quando atendemos aos trabalhadores. Mas tambem fico a pensar que este espaço é um dos quais, de forma mais contundente todas as dores sociais são evidenciadas, materializadas. Frente a essa situação não consigo deixar de pensar na tal estrutura.Existirá saída pra escola sem o capital social gerado pelo estado, que pelo menos resolva os problemas báscios dos alunos que buscam sobretudo a escola pública? Nem ouso falar em cultura, transporte, alimentos, lazer ... Beijos, Cristina

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